O advogado Alessandro Molon (PSB-RJ) foi considerado pelos jornalistas que cobrem o Congresso Nacional o melhor deputado deste ano. Ex-integrante do PT e da Rede Sustentabilidade, Molon é o líder da oposição ao governo Jair Bolsonaro. Nesta entrevista, ele aponta para o que considera riscos reais à democracia, a partir dos atos e das palavras do presidente, de seus filhos, e de outros que o cercam. E não tem receio de dizer com todas as letras que, na sua avaliação, “o atual governo é péssimo”.
Molon, no entanto, defende que as oposições não se restrinjam a criticar ao governo e sejam mais propositivas. O líder da oposição diz não acreditar que Bolsonaro concluirá seu mandato. Para ele, Bolsonaro é seu próprio maior inimigo e acabará derrubando a si mesmo.
“O comportamento, pra dizer o mínimo, insensato, imprudente e perigoso do presidente a todo momento me leva a crer que ele não vai conseguir terminar o seu mandato. O maior inimigo do presidente da Republica é o próprio presidente da República. Ele cria crises o tempo todo, arruma problema onde não existe, arruma inimigos, ataca outros países, partidos, parlamentares, juízes, instituições. Para mim, quem age desse jeito parece que procura a ocasião de encerrar o seu próprio governo. Então, acho possível que não termine o mandato. Não porque alguém vá querer derrubá-lo. Mas porque ele faz o máximo para derrubar a si mesmo”, avalia.
A entrevista exclusiva foi concedida por Molon antes das polêmicas declarações do Eduardo Bolsonaro sobre a edição de um novo AI-5 e da revelação de Jair Bolsonaro de que pegou as gravações do seu condomínio que poderiam, segundo depoimento de um porteiro, envolver o presidente no caso Marielle. Veja a entrevista concedida à nova edição da Revista Congresso em Foco, que já está disponível para compra (compre aqui).
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Passados oito a nove meses do início do governo Bolsonaro, qual a sua avaliação?
PublicidadeÉ difícil encontrar algum aspecto positivo em um governo que não tem projeto para o país, que não tem uma visão clara do que quer que o Brasil seja, que papel desempenhar no cenário internacional. A verdade é que Bolsonaro não imaginava que o Brasil pudesse cometer o erro de elegê-lo presidente. Por isso, não tinha um projeto para o país, e por isso o governo dele é assim muito atrapalhado.
O senhor não enxerga nada de positivo?
Uma ideia que o governo defende com a qual concordo é a necessidade de desburocratização. Mas, na minha avaliação, o governo está implementando de um modo errado. Havia um grupo de trabalho com pessoas extremamente competentes e renomadas para preparar um projeto de lei. O governo pegou o projeto, que era excelente, rasgou e fez a MP da liberdade econômica. Um texto muito pior. O governo manteve programas sociais como o Bolsa Família. É uma iniciativa correta. Agora, em outras áreas é difícil apontar grandes acertos. De um modo geral, está se prestando o maior desserviço para o país. Na área de educação, ciência e tecnologia, relações exteriores, um desastre. A imagem do Brasil nunca esteve tão ruim no mundo como agora, um vexame completo. Ninguém ganha com isso. A destruição do meio ambiente, a destruição da Amazônia. O Ricardo Salles é o pior ministro das últimas décadas. Então, é um governo que é muito ruim. Não por acaso, bate recorde após recorde de desaprovação. É realmente um governo péssimo.
Há quem enxergue em alguns posicionamentos do presidente Bolsonaro e de outras pessoas do governo riscos à democracia. O senhor concorda?
Sim. Porque hoje em dia a maneira de se destruir a democracia não é uma maneira brusca que você já imediatamente coloca os tanques na rua. É algo mais sutil e, portanto, bem mais perigoso. É um movimento contínuo que vai minando as instituições. Vai normalizando o medo, a censura, a perseguição de quem pensa diferente. Coloca-se a população para se manifestar contra instituições como o Judiciário, contra o Congresso. O presidente da República diz “Eu respeito as instituições, mas eu respeito mais o povo”. Qual povo? O povo que vai nas manifestações que ele convoca? Estão jogando o povo contra os outros poderes? Armando a população, estimulando que a população se arme, com que objetivo? Dizendo que é para se defender de um golpe? Mas quem é que tem condições de dar um golpe hoje em dia? É um governo que nega a ciência, que nega a história. É um momento muito preocupante. Um dos mais graves da história do país.
E, nesse sentido, qual a importância do papel da oposição?
Eu considerei nas últimas eleições que era uma obrigação eu ser eleito novamente. Pelo grave momento que eu percebi que o país ia viver. Não lutar para chegar aqui novamente seria quase que uma deserção. A democracia corre risco, sim. É um momento também de muita cautela, muita prudência, e ao mesmo tempo de muita firmeza e combatividade para não permitir que as instituições sejam destruídas.
A esquerda teve responsabilidade na eleição de Bolsonaro?
Eu acho que sim. É preciso ter coragem de fazer essa autocrítica. Eu não acho que foi o Bolsonaro que ganhou. Eu acho que foi o candidato da esquerda que foi para o segundo turno que perdeu. Uma parte dos votos que foram para o Bolsonaro foram um voto anti-PT, especialmente no segundo turno. Não foi essa a única razão. Eu acrescentaria também a ilusão de que ele representava o combate à corrupção.
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Não representava?
Essa é uma ilusão que está sendo jogada por terra, quando ele interfere na Receita Federal, na Polícia Federal, no Coaf (Conselho de Controle da Atividade Financeira), o Ministério Público federal.
E agora que o governo tomou posse, o senhor acha que a oposição tem adotado uma linha correta?
Acho que acertamos em muitas coisas. Por exemplo, conseguimos, com um projeto de decreto legislativo do PSB aprovado na Câmara e no Senado, derrubar um decreto que impunha um sigilo maior aos documentos públicos. O decreto foi feito pelo vice-presidente Hamilton Mourão na ausência do presidente, mas certamente havia um acordo entre eles. Conseguimos fazer caducar uma medida provisória, a 867, que representaria uma anistia ao desmatamento de 6 milhões de hectares com a nossa obstrução. Mesmo sendo minoria, 130 a 140 deputados, com muita luta a gente consegue impedir esses retrocessos.
Eu acho que a oposição tem que ser mais propositiva, tem que conseguir apresentar mais alternativas.
Qual é o grande desafio para a oposição?
Na verdade, acho que seria mais correto a gente falar em oposições. Porque há diferentes visões de oposição. Há visões diferentes e há projetos de país diferentes também. Isso dificulta muitas vezes a aprovação de uma proposta única da oposição.
É possível às oposições chegaram a um estágio de candidatura unitária para se contrapor ao campo de direita nas próximas eleições?
Para minimizar os danos do governo Bolsonaro, eu acredito que a gente tem conseguido a unidade mínima necessária, apesar dessas diferenças, dessas divergências. Quanto a uma unidade para as eleições, é difícil dizer se isso vai ser construído. Veja, na Argentina a ex-presidente Cristina Kirchner, tendo em vista o interesse do país, abriu mão de ser candidata, para permitir que outro candidato de outro partido fosse, porque teria mais chances de ganhar no segundo turno. Se esse espírito de se colocar o país acima dos interesses partidários das candidaturas ou das personalidades for predominante, é possível que haja uma unidade entre as candidaturas para vencer. Mas não pode ser uma candidatura para demarcar posição ou para garantir uma maior força para esse ou para aquele partido, porque isso significa colocar o país em segundo plano.
O PT, que é o maior partido de esquerda, está muito preso ao discurso do Lula Livre. Isso compromete a unidade para a construção de uma candidatura de oposição para 2022?
É evidente que o PT tem o direito e o dever de defender o seu maior líder. E, de alguma maneira, apresentar os argumentos que sejam justos para advogar sua soltura. Há também o debate sobre o Estado de Direito e imparcialidade do julgador. Agora, há um terceiro debate que diz respeito ao futuro do país. E o futuro do país tem que ser colocado acima de defender essa ou aquela candidatura. Qual é a melhor maneira que a oposição tem de se apresentar para vencer as eleições e devolver o Brasil aos brasileiros.
Como advogado, como o senhor avalia a Operação Lava Jato?
O que foi veiculado pelo site The Intercept Brasil é grave. A imparcialidade do juiz é uma garantia fundamental do Estado de Direito. E aquelas mensagens mostram que se ultrapassou qualquer limite de imparcialidade.
De qualquer modo, os julgamentos e condenações provocaram desgaste especialmente ao PT. O partido pode perder em 2022 o protagonismo que até então tinha na esquerda?
Evidentemente, o PT é um partido grande. É o partido que mais elegeu deputados aqui. Ninguém nega o tamanho e, portanto, a relevância do PT. Mas me parece que muitas vezes é necessário entender que os momentos mudam. E que talvez seja necessário dar a oportunidade para outras alternativas.
O senhor admitiria disputar a Presidência da República?
Eu acho que esse é um projeto que não se faz. Se um dia isso ocorrer, será uma grande honra pra mim. Mas eu estou focado no Parlamento, em ser o melhor deputado que eu puder para garantir aos brasileiros que os seus direitos sejam respeitados.
O presidente Bolsonaro, na sua avaliação, termina o mandato ou há a possibilidade de um novo impeachment?
O comportamento, pra dizer o mínimo, insensato, imprudente e perigoso do presidente a todo momento me leva a crer que ele não vai conseguir terminar o seu mandato. O maior inimigo do presidente da Republica é o próprio presidente da Republica. Ele cria crises o tempo todo, arruma problemas onde não existe, arruma inimigos, ataca outros países, partidos, parlamentares, juízes, instituições. Para mim, quem age desse jeito parece que procura a ocasião de encerrar o seu próprio governo. Então, acho possível que não termine o mandato. Não porque alguém vá querer derrubá-lo. Mas porque ele faz o máximo para derrubar a si mesmo.
E a sociedade, não estaria um pouco anestesiada? As pesquisas indicam descontentamento com o governo, mas isso não se reflete em grandes movimentações nas ruas…
Eu ainda sinto que há uma certa anestesia. Até porque talvez a sociedade tenha dificuldade para acreditar em tudo o que está acontecendo. Se convencer de que fez uma aposta que não parece ter sido a mais certa. Então, essa anestesia, essa falta de uma reação mais forte, é um pouco fruto disso. Mas esse efeito hipnótico que o presidente causou na população, ele não dura para sempre. Ele passa. Ele acaba. Uma hora, esse descontentamento passa dos limites e estoura.
Assista a entrevista na íntegra: