28 de janeiro de 2022 |
A ideia em um segundo Manifestações iniciais vinculadas a candidatos à Presidência da República deixam entender que segue viva a dicotomia pró-mercado x pró-Estado entre os candidatos. As propostas econômicas refletem visões que se alternaram no país ao longo do século 20, não trazendo essencialmente nada de novo. |
Presos a uma velha dicotomia
Já foi tratada, em outras edições do Farol, a dicotomia de visões econômicas que marcou o Brasil ao longo do século 20, que transcende distinções partidárias ou mesmo o espectro tradicional de esquerda e direita. Grosso modo, vamos chamar a essas duas visões de pró-mercado e pró-Estado, sem ignorar as múltiplas nuances envolvidas em cada uma dessas denominações.
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Um olhar para as primeiras manifestações dos candidatos à Presidência da República em 2022, século 21, revela que ainda não estamos livres das posições dicotômicas, o que nos traz pouca esperança de ver genuínas novidades no quadriênio 2023-2026. Para demonstrar o ponto e refletir sobre ele, vamos partir de manifestações feitas por nomes ligados aos candidatos, como se em nome deles, em série produzida e organizada pelo jornal Folha de São Paulo.
Títulos que marcam
Abaixo, os artigos de cada um dos autores, com os respectivos títulos escolhidos:
Autor: Guido Mantega
PublicidadeCandidato: Lula
Título: Bolsonarismo levou Brasil à crise, e retomada virá com o seu fim
Autor: Nelson Marconi
Candidato: Ciro Gomes
Título: É preciso coragem para mudar o modelo econômico fracassado
Autor: Henrique Meirelles
Candidato: João Dória
Título: Ponto de partida para consertar o Brasil é crescer reduzindo desigualdades
Autor: Affonso Celso Pastore
Candidato: Sérgio Moro
Título: Veja as bases para um programa de governo de Sérgio Moro
Todos os textos falam em mudança, o que também não surpreende, dado que a conjuntura econômica aponta para um quadro ruim e possivelmente ainda bastante deteriorado por ocasião das eleições. O título escolhido por Mantega é fiel ao artigo – praticamente todo o conteúdo refere-se a uma análise do que aconteceu nos anos do governo Jair Bolsonaro. No caso, a mudança que importa, para Mantega, é a volta do PT ao poder, que, em si, seria suficiente para resolver tudo.
Nelson Marconi fala em mudanças no modelo e é o que mais entra em detalhes de medidas práticas. Está em consonância com os motes escolhidos por Ciro Gomes, que tem falado em “rebeldia” e “esperança”. Meirelles fala em consertar o Brasil, atribuindo tal responsabilidade mais ao setor privado. Bem como Pastore, que escolheu um título burocrático para seu texto, como se entregasse um texto sob encomenda. Por mais cruel que possa ser a Pastore (cuja estatura intelectual não tem comparação com a mediocridade de Paulo Guedes), a analogia situacional é evidente – há um novo Posto Ipiranga no radar, ainda que mais conservado e com uma lojinha de conveniência mais transada.
Pró-mercado X pró-Estado
Indo das posturas mais pró-Estado para as mais pró-mercado, temos Guido Mantega como o defensor mais eminente do pró-Estado. Fala em via do social-desenvolvimentismo e que as forças democráticas deverão elaborar um programa de desenvolvimento econômico e social. Quando retoma o tempo desse plano de investimentos, afirma que “o governo” tem que ter um ambicioso plano de investimentos públicos e privados. Inevitável sentir um cheiro de PAC no ar.
Na sutileza das palavras escolhidas, traçamos o percurso ao outro lado da dicotomia. Nelson Marconi fala em um plano nacional de desenvolvimento, pactuado entre setores público e privado. Meirelles fala em aumento da taxa de investimento e ganhos de produtividade com participação majoritária do setor privado. E Pastore em aumentar a eficiência produtiva com investimentos em infraestrutura feitos pelo setor privado, especialmente na forma de concessões.
Política fiscal e política monetária
Mantega cita a política monetária para o controle da inflação, ressalvando que não se deve exagerar nos juros. Não cita política fiscal, o que, em contraste com o restante do seu texto, deixa a entender que essa não será uma preocupação de um eventual novo governo petista. Nelson Marconi e Affonso Pastore citam explicitamente a política fiscal como elemento importante do arcabouço institucional. Meirelles cita tangencialmente a política fiscal, na figura da necessidade de se reestabelecer o quadro macroeconômico estável.
Política ambiental
O texto de Mantega é o que menos dá ênfase à questão ambiental (um dos motivos pelos quais foi mais criticado, inclusive por militantes de esquerda). Ao citar que devem ser retomadas as políticas industriais e as de investimento tecnológico, ressalta: claro, sem esquecer as questões climáticas e ambientais.
Os três outros autores dão ênfase maior à questão, inclusive referindo-se à uma política ambiental, destacando a importância dessa dimensão nos fóruns internacionais e como condição de viabilização de aumento das exportações. Pastore foi o único a avançar em uma proposta prática na área, a do desmatamento zero.
Reforma tributária
Com mais ou menos ênfase, considerando-se as possíveis grandes reformas (como a administrativa, a da Previdência etc.), todos os autores trataram apenas da reforma tributária. Tendo em vista as pesquisas feitas pelo Congresso em Foco Análise que demonstram que houve uma efetiva janela de oportunidade para a aprovação de uma reforma tributária na atual legislatura, é razoável supor que esta será a reforma da vez no início da próxima legislatura.
Mantega destacou a taxação dos mais ricos. Meirelles destacou necessidade de melhoria no ambiente de negócios e de simplificação. Pastore ressaltou a necessidade de segurança jurídica e simplificação.
Pobreza
Os quatro autores enfatizam a erradicação da pobreza como tema prioritário. De fato, observadas as sucessivas notícias sobre retorno do Brasil ao mapa da fome, aumento da população de rua, desemprego, fica evidente que a questão social terá grande relevância. O pouco caso com que o governo Bolsonaro tratou a questão, bem como a improvisação com data marcada para acabar do novo auxílio Brasil deixam o campo aberto para propostas nessa área.
Comparações
Abaixo, uma síntese das principais propostas dos autores:
Autor: Guido Mantega
Candidato: Lula
Título: Bolsonarismo levou Brasil à crise, e retomada virá com o seu fim
Resumo:
– medidas emergenciais de combate à fome e à miséria;
– ambicioso plano de investimentos públicos e privados para ampliar infraestrutura e aumentar produtividade;
– Reforma Tributária, com ênfase na taxação dos mais ricos;
– Política monetária como instrumento de controle da inflação.
Autor: Nelson Marconi
Candidato: Ciro Gomes
Título: É preciso coragem para mudar o modelo econômico fracassado
Resumo:
– geração de empregos;
– reversão da desindustrialização;
– investimentos em educação;
– incentivo às exportações;
– política fiscal controlada;
– Reforma Tributária;
– redução da inflação;
– redução do endividamento privado
– investimentos em infraestrutura e pesquisa e desenvolvimento; via plano nacional de desenvolvimento, pactuado entre setores público e privado;
– políticas específicas para os mais desfavorecidos
Autor: Henrique Meirelles
Candidato: João Dória
Título: Ponto de partida para consertar o Brasil é crescer reduzindo desigualdades
Resumo:
– retomada do crescimento econômico;
– redução da desigualdade social;
– aumento da taxa de investimento como forma de ganhos de produtividade, com participação majoritária do setor privado;
– reestabelecimento do quadro macroeconômico estável;
– investimentos em capital humano;
– melhoria do ambiente de negócios;
– ampliação de acordos comerciais e incentivo às exportações.
Autor: Affonso Celso Pastore
Candidato: Sérgio Moro
Título: Veja as bases para um programa de governo de Sérgio Moro
Resumo:
– retomada do crescimento econômico;
– eliminação da pobreza extrema;
– aperfeiçoamento das instituições;
– política fiscal contracíclica;
– aumento da eficiência produtiva;
– Reforma Tributária;
– investimentos em infraestrutura, pelo setor privado, via concessões.
Ficam bastante claras as posições no espectro da dicotomia colocada. Guido Mantega dá a entender que o PT refluirá para uma posição pró-Estado, com o governo assumindo a responsabilidade de promover o desenvolvimento nacional, via planos governamentais, a serem obedientemente seguidos (ou aproveitados) pelo setor privado. Nelson Marconi entra em mais detalhes práticos. A síntese de suas propostas permite vislumbrar uma saída à la tigres asiáticos – investimento em educação e P&D, indução e condução estatal, incentivo a exportações. Meirelles repete alguns temas de Marconi, como o investimento em educação (por ele chamado de investimento em capital humano, bem ao estilo de Chicago) e o incentivo às exportações. Fala em participação majoritária do setor privado. Já Pastore não adota o limitador e deixa a entender que os investimentos serão do setor privado, pela via da concessão – ficando, portanto, na posição mais pró-mercado do grupo.
Evidentemente, há muitas nuances e os textos foram colunas de jornal, encomendadas, e que conseguiram a façanha de serem possíveis propostas dos candidatos sem necessariamente refletirem a opinião dos candidatos. Porém, o início do debate já nos mostra que possivelmente seguiremos atrelados a soluções do século 20, sem grandes inovações no plano das ideias.
TERMÔMETRO
CHAPA QUENTE | GELADEIRA |
Amparado pela aparente estabilidade que lhe dá as pesquisas, onde já há algum tempo sempre aparece com percentuais acima de 40%, o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, trabalha para tentar vencer a eleição ainda no primeiro turno. Seus movimentos são para tentar ampliar ao máximo agora o espectro de apoios. Depois de deixar claro que muito provavelmente está sacramentada sua aliança com o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, Lula quer trazer para seu apoio o PSD de Gilberto Kassab. Nas considerações que faz acerca de última rodada da pesquisa XP/Ipespe, o diretor do Instituto, Antonio Lavareda, aponta que Fernando Henrique Cardoso, único presidente a vencer a eleição no primeiro turno, não teve nas duas vezes em que se elegeu 40% das intençõ199es de voto. Foram 36,3% em 1994 e 33,9% em 1998. | A pesquisa XP/Ipespe não traz boas notícias para o candidato do Podemos, Sergio Moro, que vem se esforçando para tentar convencer como a tal terceira via. Depois do lançamento da pré-candidatura de Ciro Gomes pelo PDT na semana passada, ele agora aparece empatado com Moro. Não exatamente porque Ciro tenha crescido muito ou Moro caído muito. Moro estacou abaixo dos 10%. E ambos aparecem na pesquisa com 8%. Certamente, não vem ajudando muito ao ex-juiz a exposição negativa que anda tendo por conta dos honorários que recebeu o escritório Alvarez&Marsal, onde trabalhou depois que deixou o Ministério da Justiça. Moro condenou a empreiteira Odebrecht na Lava Jato e a Odebrecht é cliente do escritório no seu processo de recuperação judicial. Moro promete explicar tudo ainda nesta sexta-feira. Seus aliados esperam que ele reverta a situação. |
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