A ideia em um segundo Na esteira do Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, o Farol Político traz uma análise sobre o caráter representativo do parlamento. As eleições do próximo ano para o Congresso Nacional trazem algumas dúvidas e uma certeza: o parlamento brasileiro seguirá sendo excludente, mais branco, mais masculino, mais rico e menos heterogêneo do que a sociedade nacional. |
Triste previsão acertada
Com a proximidade das eleições de 2022, há várias dúvidas com relação à bancada que cada partido irá conseguir alcançar. Há, contudo, uma certeza: o parlamento brasileiro seguirá sendo excludente: mais branco, mais masculino, mais rico e menos heterogêneo do que a sociedade nacional.
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As regras eleitorais estão dadas e, entre elas, a permanência do sistema proporcional. Paradoxalmente, o modelo foi concebido e adotado como fórmula para aumentar a presença de minorias no Congresso. Entretanto, seu resultado tem sido exatamente o reverso no Brasil.
PublicidadeComparando-se o Brasil com os Estados Unidos (cujo sistema eleitoral para as casas legislativas é o distrital puro), tem-se o seguinte quadro (para ficarmos apenas na questão dos pretos e das mulheres).
Pretos (em %) |
Mulheres (em %) |
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Brasil | 4,09% | 15,2% |
Estados Unidos | 12,87% | 27,6% |
O que acontece com o sistema proporcional?
Na verdade, o sistema proporcional não tem a ver com minorias, mas sim com partidos políticos. No final do século 19, partidos ideológicos e pequenos representavam, efetivamente, certas minorias, e fazia sentido a adoção do sistema para promover sua inserção política. Ao longo do século 20, entretanto, com a mudança no perfil das legendas para os chamados partidos catch-all (em português chamado de partido ônibus, aqueles que, numa tradução literal do termo em inglês, “pegam tudo”, ou seja, onde não há ideologia clara), o sistema já não funciona mais para esse propósito. Na prática, o sistema proporcional favorece a presença, nos parlamentos, de partidos pequenos, independentemente de sua vinculação a determinadas minorias.
A mística em relação ao sistema proporcional, contudo, permanece. Ou talvez o sistema político não tenha encontrado alternativa melhor para suprir a questão das minorias na representação legislativa. A questão das cotas, por exemplo, é controversa. Os incentivos até aqui tentados pelos legisladores brasileiros, como a obrigatoriedade de uma quantidade mínima de concorrentes mulheres a serem indicadas pelos partidos, ainda não surtiram efeitos relevantes.
Sistema eleitoral e qualidade da democracia
A qualidade da democracia não é relacionada ao sistema proporcional. Vários estudos, como alguns conduzidos pela cientista política Pipa Norris, demonstram que essa depende muito mais do grau de apoio que a população dá ao sistema político como um todo do que de um sistema eleitoral específico. Apesar de o chamado “recrutamento” (eleição) ter um papel na representação, ele não é fator definitivo para constituir um parlamento que propicie melhores indicadores de qualidade democrática.
Na verdade, o sistema proporcional dificulta processos de accountability, por não significar uma relação direta entre voto e candidato – ninguém sabe efetivamente quem seu voto ajudou a eleger. Ademais, o sistema induz ao multipartidarismo, favorecendo em demasia partidos pequenos, gerando situações fragmentadas como a do parlamento brasileiro que atualmente conta com 24 partidos representados.
Esse nível de multipartidarismo gera governos menos definidos, menos coerentes e menos integrados e pressiona para que o Executivo busque formar coalizões amplas, o que estimula o que ficou convencionado chamar o toma-lá-dá-cá do presidencialismo de coalizão.
Sistema eleitoral e estratégias de campanha
O sistema eleitoral proporcional induz uma atuação descompromissada por parte dos partidos políticos. Os partidos buscam, então, os campeões de votos, as celebridades, por exemplo, que vão carrear um caminhão de votos para o partido e, como consequência do quociente eleitoral, aumentar a quantidade de vagas conquistadas. A disputa entre PP e PL pela filiação do presidente Bolsonaro, por exemplo, reflete a percepção de que o efeito coattail do mandatário seria novamente forte (em 2018, o PSL de Bolsonaro fez 51 deputados federais).
Como a bancada federal determina outros elementos estratégicos, como o próprio tamanho do fundo eleitoral, e, portanto, dos recursos públicos aos quais o partido terá acesso, a disputa pelas vagas na Câmara dos deputados acirra-se. E os concorrentes fazem uso estratégico das normas vigentes.
Parlamento e representação
Embora os sistemas eleitorais funcionem para que os eleitores expressem preferências sobre candidatos, na prática os eleitores estão compondo assembleias – e, indiretamente, as políticas públicas a serem por elas implementadas. Os parlamentos, cada vez mais, assumem perspectivas deliberativas mais do que representativas. Nessa perspectiva, a representatividade deixa de ser um objetivo relevante no quadro de um sistema eleitoral de múltiplos vencedores.
Ao longo das últimas décadas, dezenas de propostas de reforma política foram aventadas. Entre elas, nenhuma que lograsse apontar para um resultado melhor para o país em termos de qualidade democrática. A que chegou mais perto de ser aprovada, recentemente, o chamado ‘distritão’, mistura elementos do sistema distrital com distritos gigantes (os estados), cujas perspectivas foram rejeitadas também pela comunidade acadêmico-científica.
Enquanto não se encontram soluções mais efetivas, o parlamento nacional seguirá sendo extremamente distinto da sociedade brasileira, mas uma expressão sintética da extrema desigualdade vigente em nossa sociedade. Nesse sentido, somente nesse sentido, o parlamento seguirá representando bem a sociedade brasileira.
TERMÔMETRO
CHAPA QUENTE | GELADEIRA |
O governo precisou negociar, o texto não saiu exatamente como ele inicialmente gostaria, mas o Senado aprovou a PEC dos Precatórios. E não parece que haverá dificuldades para que a medida, que terá que voltar, uma vez que foi modificada no Senado, seja novamente aprovada em nova rodada na Câmara. Com a possibilidade parcelamento das dívidas judiciais, abre-se espaço no Orçamento para que o governo faça a bondade desejada com a sociedade, aumentando o Auxílio Brasil para R$ 400. Os impactos eleitorais disso ainda teremos que conhecer durante o ano que vem. Mas a ferramenta com que o governo sonhava, ele conquistou. | Em compensação, as reformas estruturantes que foram prometidas terminarão o ano na promessa em que sempre estiveram. E não é por outra razão que as expectativas de crescimento que antes havia não se concretizam, como ficou evidenciado pelo anúncio do PIB com queda de 0,1%, anunciado na quinta-feira (2). A reforma administrativa despareceu. Assim como a reforma tributária fatiada, com o projeto de alteração do Imposto de Renda que dormita no Senado. Há agora alguma chance de aprovação da PEC 110, uma proposta de reforma tributária mais ampla, mas somente na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado este ano. No ano que vem, ano eleitoral, com um calendário reduzido, as chances diminuem.
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