A ideia em um segundo Bolsonaro repreendeu seu vice-presidente, afirmando que somente ele poderia falar sobre a questão entre Rússia e Ucrânia. Em mais um movimento dissociativo entre Estado e governo, Bolsonaro ignora princípios fundamentais da República Federativa do Brasil no tocante à regência de suas relações internacionais. |
A guerra entre a Rússia e a Ucrânia afeta a todos, confirmando as perspectivas trazidas pelo fenômeno da globalização. Se uma borboleta que bate asas na Ásia é capaz de provocar um furacão na Amazônia, segundo as previsões da teoria do caos, quanto mais uma guerra em território europeu. A sensibilidade da situação e do quadro apresentado provocou uma rara reunião de emergência da Organização das Nações Unidas (ONU) e resultou em uma condenação praticamente unânime dos países-membros – 141 votos a 5.
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O presidente Bolsonaro, entretanto, tem adotado postura ambígua sobre o assunto, fato exacerbado por sua recente visita ao chefe de Estado do país agressor: Vladimir Putin. Porém, caso respeitasse uma visão mais de Estado, em sintonia com o que dispõe a Constituição Federal, deveria ser inequívoca a posição de Bolsonaro, presidente do Brasil, com relação à guerra.
A Constituição e as relações internacionais brasileiras
No sistema internacional dos Estados-nação, um país se afirma em relação aos outros países na construção de sua identidade própria. O assunto é tão relevante que recebeu um lugar privilegiado na Constituição, mais ao início, e um artigo próprio (art. 4º). Esse traz os princípios regentes das relações internacionais do Brasil. Ou seja, podemos assumir que, se o Brasil fosse a Rússia, deveria olhar para a Ucrânia a partir desses elementos.
O primeiro deles é a independência nacional. A Ucrânia é um país independente. Situação de fato e de direito. Não há aqui espaço para ambiguidades respaldadas em perspectivas históricas. Essas abrem caminho para todo tipo de reivindicação. Alegar que a Ucrânia fez parte do território da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas com pretensão de justificar sua não independência seria similar a Portugal reivindicar que o Brasil foi, outrora, parte de seu território e, portanto, não deve ser considerado um país independente.
PublicidadeOutro princípio é a autodeterminação dos povos. Vale ressaltar que o Constituinte foi muito feliz no art. 4º, redigindo de forma clara, direta, não deixando margem para hermenêuticas destemperadas. Seguindo esses princípios, a diplomacia nacional logrou obter posição relevante no cenário mundial, tendo, em alguns momentos, inclusive feito com que o País exercesse uma influência desproporcional. A autodeterminação dos povos é autoexplicativo. O povo ucraniano tem direito à sua autodeterminação, seja quanto à escolha de sua forma de governo e de seus governantes, seja em termos de participar de qual for a associação que queira.
O Brasil andou ensaiando a possibilidade de se tornar membro da OTAN. Na ótica que vem sendo adotada por alguns formadores de opinião, esse movimento poderia ser questionado pela Rússia (OTAN arregimentando novos sócios teoricamente fora de sua jurisdição). Os países vizinhos poderiam questionar que a entrada do Brasil na OTAN provocaria um desequilíbrio nas forças do continente, que, apesar de pacífico por tantas décadas, poderia justamente enfrentar novas situações. Quando Bolsonaro fez esse ensaio, contudo, não houve críticas a ele nesse sentido.
O Brasil defende ainda o princípio da não-intervenção. Traduzido, esse princípio reforça ainda mais a questão de que não cabe a um país interferir no funcionamento do Poder Público de outro país, devendo existir o respeito às competências nacionais exclusivas. A agressão russa violou a independência ucraniana, jogou no lixo a compreensão de que os ucranianos e as ucranianas têm pelos poderes para se autodeterminarem e ignorou por completo a premissa de não se imiscuir nos negócios de um outro país.
A guerra e os direitos humanos
Toda guerra é um pesadelo. Mas algumas guerras são piores do que outras. Outro princípio do Estado brasileiro nas suas relações internacionais é a prevalência dos direitos humanos. Esse simples fato, respeitado, afastaria qualquer possibilidade de guerra. Contudo, uma vez iniciado o conflito, há questões básicas, como o respeito aos civis. E já foram observados ataques a instalações civis; a não-observância de corredores humanitários, precariamente definidos; utilização de bombas de fragmentação; restrições à comunicação no território russo: um coquetel de desrespeito aos direitos humanos.
Certas táticas, como a escolha proposital de alvos civis, tem o condão de se assemelharem ao terrorismo, o qual deve ser repudiado, segundo a Constituição. Ressalte-se que outro objeto de repúdio é o racismo, constatado nas fronteiras ucranianas, da parte de seus agentes, em relação à afrodescendentes que tentavam deixar o país.
Quem tem mais canhões vence
Em nova declaração canhestra, Bolsonaro disse, entre outras coisas, que era “assim mesmo, na guerra quem tem mais canhões vence”. E essa vitória acaba representando, na visão do presidente, a solução para o problema. Ocorre que a República brasileira defende a “paz” entre as nações e a “solução pacífica dos conflitos”, o que é claramente incompatível com o recurso aos canhões.
Outro princípio nacional é o da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade. Alguém arriscaria dizer que o que está havendo é uma cooperação entre os países?
Ao lembrar de sua visita a Putin, expressar sua solidariedade à Rússia, e não ouvir, de qualquer forma, a Ucrânia, Bolsonaro rompe, ainda, com o princípio da igualdade entre os Estados. Não há nada em nossa Constituição que permita tratar a Rússia de forma diferente da Ucrânia diante da guerra instaurada.
Por outro lado, para não dizer que Bolsonaro simplesmente ignorou completamente os dispositivos constitucionais para tratar da guerra, ele condescendeu com uma proposta do Ministério das Relações Exteriores de fornecer vistos provisórios a refugiados ucranianos, o que poderia evoluir para a concessão de asilo político, outro princípio constitucional brasileiro.
A guerra e as eleições
Questões externas não costumam ter grande impacto nas eleições brasileiras. Eleitores costumam se alinhar pessoalmente aos políticos e acabam adotando, por derivação, a visão do político em termos do conflito. Quando Getúlio Vargas oscilou entre o apoio ao Eixo e o apoio aos Aliados, não foram manifestações populares que o fizeram decidir, antes a atuação enérgica dos Estados Unidos naquela ocasião.
Os efeitos da guerra, entretanto, podem agravar a situação eleitoral. A alta nas commodities amplia os efeitos inflacionários que já vinham sendo sentidos, apontando para uma deterioração nos preços ainda maior. E com novos focos de preocupação – como o aumento nos grãos – para além dos combustíveis.
Nesses termos, o cálculo de Bolsonaro em termos de sinalizar uma simpatia pela causa de Putin não apresenta os fundamentos de sua racionalidade. Ainda que se leve em consideração uma posição exclusivamente realista em se tratando de doutrina de relações internacionais – para a qual não há países amigos ou inimigos, apenas interesses – não fica claro que a simpatia russa renda mais benefícios ao Brasil em termos desse perverso cálculo utilitarista. Seguíssemos a nossa Constituição nesse fórum e estaríamos melhor aparelhados para lidar com essa crise.
Termômetro
CHAPA QUENTE | GELADEIRA |
Divulgado nesta sexta-feira (11), o IPCA de fevereiro ultrapassou a marca de 1%. Foi a maior desde 2015. E ela ainda não registra a alta dos combustíveis na véspera, quando o óleo diesel subiu 24% e a gasolina 18%. A alta nos combustíveis, que já se sentia, deve ser sentida ainda mais, com o agravamento da guerra entre a Rússia e a Ucrânia. E impacta todo o restante da cadeia produtiva em um país cujo transporte é fortemente rodoviário e onde há vários estados cuja energia é dependente de geração termelétrica. Embora o presidente Jair Bolsonaro venha experimentando uma melhora nos seus índices na corrida eleitoral, é difícil imaginar que a economia não venha a ser refletir na política nos próximos dias. | Como já dissemos aqui neste Farol, as federações, grande novidade eleitoral do ano, não terão o impacto que inicialmente se esperava. Pelas fortes implicações de terem que ficar atrelados por quatro anos, os grandes partidos não deverão formar federações. Elas deverão ficar como tábua de salvação para os partidos pequenos que não conseguirão cumprir a cláusula de barreira. Sem a possibilidade de fazer coligação proporcional, esses partidos poderão fazer federação com maiores para conseguir, assim, os votos para ultrapassar a cláusula de barreira. Assim, o Cidadania já aprovou a federação com o PSDB. E PV e PCdoB poderão formar federação com o PT. Mas as coisas deverão ficar nisso. O PSB não deverá se federar com o PT. E União Brasil e MDB já encerraram suas conversas nesse sentido. |
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