O depoimento do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR) à CPI da Covid nesta semana levará para o centro do palco da investigação a grande disputa de poder que há hoje dentro do governo do presidente Jair Bolsonaro. A disputa entre os militares e o Centrão. A posse na semana passada do senador Ciro Nogueira (PP-PI) na Casa Civil da Presidência é o ápice dessa disputa, com ampla vitória para o Centrão. Mas há um ponto paralelo onde essa disputa se deu e se dá de forma intensa: o Ministério da Saúde.
Para o relator da CPI da Covid, Renan Calheiros (MDB-AL), foi especialmente dentro do ministério que mais se intensificou a briga entre os dois grupos. E Ricardo Barros é o grande pivô dessa disputa.
O atual líder do governo na Câmara foi ministro da Saúde no governo Michel Temer. Em diversos momentos, diante da frenética troca de comando na pasta durante a pandemia de covid-19, seu nome foi cogitado para retornar ao cargo. Na avaliação de Renan Calheiros, Ricardo Barros deixou implantado, porém, ali um grupo sobre o qual tem influência.
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Já o grupo militar foi se implantando no ministério a partir do general Eduardo Pazuello. O general entrou no ministério na gestão de Nelson Teich, substituindo João Gabbardo como secretário-executivo. Na saída de Teich, ficou um tempo como ministro interino até ser efetivado para se tornar o mais subserviente dos ministros da Saúde na gestão Bolsonaro. Aquele que disse: “É simples assim: um manda e o outro obedece”. A partir de Pazuello, entram na trama militares hoje investigados na CPI, como o ex-número dois de Pazuello no ministério coronel Élcio Franco e o ex-secretário substituto de Logística coronel Marcelo Blanco.
Embora reservadamente os senadores da CPI admitam que Ricardo Barros, por sua experiência como parlamentar, não vá se deixar enredar pelo interrogatório na comissão, seu depoimento é cercado de expectativa pela possibilidade de ajudar a desvendar como se dava essa briga intestina entre os grupos no ministério da Saúde.
O nome de Ricardo Barros veio à tona na CPI no depoimento do deputado Luís Miranda (DEM-DF) e de seu irmão, Luís Ricardo, funcionário do Ministério da Saúde. Os irmãos Miranda denunciaram que havia uma “pressão anormal” para que se apressasse o processo de aquisição da vacina indiana Covaxin, do laboratório Barath Biotech. Se adquirida, essa vacina seria a primeira a ser comprada não diretamente do laboratório produtor, mas com a ação de um atravessador, a Precisa Medicamentos. Os irmãos Miranda denunciaram que levaram a situação ao presidente Jair Bolsonaro, falando da pressão e de irregularidades que superfaturavam o preço da vacina. E Bolsonaro nada teria feito de concreto para apurar o caso.
PublicidadeJá no final da sessão na CPI, pressionado pela senadora Simone Tebet (MDB-MS), Luís Miranda acabou, aos prantos, admitindo que, na conversa com o presidente, o próprio Bolsonaro mencionara um nome por trás dessa pressão para que o contrato fosse fechado. O nome era Ricardo Barros.
Barros nega ter feito tal pressão. Mas há entre ele e a Precisa uma outra ligação. Uma ação de improbidade dos tempos que Barros era ministro da Saúde envolve a ele e uma empresa sócia da Precisa, a Global Gestão em Saúde. No caso, tratava-se de intermediação para a aquisição de medicamentos para pacientes com doenças raras. A Global forneceu o menor preço no processo, mas não teria entregue os medicamentos, embora tivesse recebido antecipadamente R$ 19,9 milhões.
No caso da negociação com a Davati Medical Supply para a aquisição de vacinas da AstraZeneca, o caminho passa pelo grupo militar, especialmente pelo coronel Elcio Franco. Segundo o representante da Davati no Brasil, Cristiano Carvalho, em seu depoimento à CPI, a transação passava pelo coronel e pelo ex-secretário de Logística do ministério Roberto Dias. E, em ambos os casos, com a participação de outros intermediários. Elcio Franco tinha como intermediário o também coronel Helcio Bruno, de uma ONG, o Instituto Força Brasil, que defende o chamado “tratamento precoce” da covid com medicamentos sem eficácia comprovada. E Roberto Dias outro coronel, Marcelo Blanco, ex-assessor da Saúde. Em seu depoimento à CPI, Blanco disse que aproximou-se de Dias para prospectar, já fora do governo, a possibilidade de fechar negócio com eventuais compradores particulares de vacina.
Para Renan, Elcio Franco é uma interseção em todos os negócios. “Ele parece estar em todas as pontas”, disse o relator da CPI. E pode haver aí também uma ponta da disputa de poder e interesses entre os dois grupos.
O depoimento é aguardado em um momento em que o Centrão reforça sua força no governo, após a posse de Ciro Nogueira. Fora do campo da Saúde e do combate à covid-19, outro exemplo da briga intestino do Centrão com os militares foi o vazamento da história de que o ministro da Defesa, general Braga Netto, teria feito chegar ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a ameaça de que não haveria eleição se não fosse aprovado o voto impresso. Nos bastidores, aponta-se que o vazador da história foi Ciro Nogueira. Sua fofoca contra o general foi premiada com a posse no ministério que Jair Bolsonaro chama de “alma” do governo.
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