O Congresso em Foco promoveu nesta terça-feira (6) o webinar “MP da Eletrobras e o futuro renovável: como conciliar as agendas”. O debate discutiu o futuro do setor elétrico brasileiro e as alternativas possíveis para baratear a energia e reduzir emissões poluentes.
Participaram das discussões o diretor da Omega Energia, Bernardo Bezerra; o coordenador do Programa de Energia do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Clauber Leite; a economista e advogada Elena Landau; o deputado federal Paulo Ganime (Novo-RJ), e o presidente-executivo da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovaltaica (Absolar), Rodrigo Sauaia. A mediação foi feita pelo diretor do Congresso em Foco Análise, Rudolfo Lago.
Uma das principais conclusões foi de que é preciso rediscutir os subsídios para o setor e diversificar as fontes energéticas. Os participantes também criticaram os chamados “jabutis”, pontos estranhos à proposta original, incluídos na MP da Eletrobras. Com essas mudanças aprovadas pelo Congresso, observaram, quem pagará a conta será o consumidor, que terá de arcar com a oneração da conta de energia.
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Veja alguns dos principais pontos do webinar:
Energia barata, tarifa cara
Em sua primeira participação, Bernardo destacou que o Brasil tem condição de ter a energia mais barata do planeta, a energia limpa, com a construção de usinas baratas, mas ao mesmo tempo tem uma das tarifas mais caras do planeta. Segundo ele, as duas principais razões são a escolha feita pelo país de contratação de termelétricas caras, que em momento de seca, onera o consumidor, e a composição de grande parte da tarifa vir de encargos setoriais e impostos.
Para ele, é preciso trazer o Brasil de volta à redução de custo de energia para o consumidor final e expansão limpa, sustentável e competitiva para todos os consumidores. “Uma das consequências muito ruins da MP da Eletrobras foram os jabutis, que fizeram com que o Brasil passasse para a esfera política a tarefa de fazer o planejamento energético. Veio esse jabuti de, mandatoriamente, construir 8 mil megawatts de termelétricas de gás natural que vão operar quase todo o ano. Isso vai aumentar os custos, as emissões, é completamente contrário a uma agenda de modernização do setor”, criticou.
Na avaliação de Bernardo, é necessário revisitar o planejamento energético para acomodar as diretrizes que vieram com a MP da Eletrobras. “Terão de revisitar todas as diretrizes para os leilões para este ano”, afirmou. Em relação aos encargos setoriais, é importante rever todos os subsídios para fontes que hoje já não são mais necessários. “Com isso vai reduzir o custo para a sociedade. Um exemplo do que pode ser retirado é o subsídio para as fontes de geração distribuída. Existe um projeto discutido. É importante discutir a retirada desses subsídios para ter competição saudável entre as fontes de energia elétrica”, defendeu.
“Vai sobrar para o consumidor”
O coordenador do Programa de de Energia do Idec, Clauber Leite, disse que as mudanças feitas com a privatização da Eletrobras legislação “vão sobrar para o consumidor”. “O Brasil está tomando a vanguarda do atraso”, afirmou. “O mundo está caminhando para uma descarbonização, enquanto aqui a gente nem lida com isso. Nossa matriz foi e ainda é relativamente limpa, porém, a gente vê essa inserção de térmicas que ocorreu nesta MP que a gente está colocando mais emissões”, disse Clauber.
Segundo ele, para falar em redução de consumo de maneira contínua, não só em período de crise, é preciso reduzir a dependência do país com termelétricas. “Elas foram feitas para atender a picos de demanda. Para certas épocas do ano. Isso tem custo elevado para o consumidor”, afirmou. “Tem de fazer modernização total do setor, que está capengando no Congresso”, acrescentou.
“Andando para trás”
Ex-diretora do BNDES, a economista Elena Landau disse que a MP da Eletrobras é um retrocesso absoluto. “Ela muda completamente a filosofia do setor e cria um precedente. Ela mostra que o governo está fraco, que assuntos já superados, como a questão dos gasodutos são recolocados a cada MP”, criticou. “Fonte de energia renovável no Brasil já atingiu maturidade. Nenhuma fonte precisa mais de subsídio. O consumidor precisa da retirada do peso desses encargos. Isso vale para toda fonte.” Temos competitividade na área solar quanto eólica. Os subsídios são desnecessários”, acrescentou.
Elena demonstrou preocupação com a MP do racionamento e o enfraquecimento do governo. “Não é local da MP do racionamento discutir nem carvão nem geração distribuída.” Para ela, o precedente dos jabutis da MP da Eletrobras vai se repetir na medida provisória do racionamento. “Sou pessimista. Não tem como olhar para o futuro. A gente só está andando para trás”, afirmou a economista.
Iniciativa privada
O deputado Paulo Ganime defendeu que haja diversidade maior nas fontes de energia. “Não tem como não citar os erros cometidos na história recente, na MP da Eletrobras e seus jabutis incluídos pela Câmara e pelo Senado, como a MP do racionamento, que traz também muitos problemas que a gente deve ter no futuro”, disse o deputado.
“Ao mesmo tempo, não dá liberdade para a iniciativa privada resolver os problemas do setor elétrico e o Estado não trouxe as respostas necessárias para que a gente evitasse, depois de 20 anos, o retorno de uma crise como a que teve no governo Fernando Henrique”, afirmou. De acordo com o deputado, é necessário diversificar as matrizes energéticas. “Mas também precisamos pensar em soluções que vão atender as necessidades por conta da oscilação das energias renováveis”, defendeu.
Na avaliação do deputado, é preciso rever subsídios e impostos que oneram o setor elétrico. “O PL 414 é uma discussão importante, que vai no sentido contrário da MP da Eletrobras e da outra MP ainda não aprovada, que vai no sentido de dar mais liberdade e incentivar a maior participação da iniciativa privada na distribuição do setor elétrico”, afirmou.
Diversificação de matriz
Presidente da Absolar, Rodrigo Sauaia também defendeu a diversificação das fontes energéticas. “A gente precisa diversificar, democratizar para além do que o mundo já faz, que é descarbonizar, descentralizar, gerar energia perto do local de consumo, digitalizar com tecnologia da informação dentro do setor elétrico, precisamos fazer com que essas soluções cheguem a toda a sociedade.”
Ele lembrou que até recentemente não se acreditava que os smartphones pudessem chegar aos brasileiros. “A gente conseguiu com a livre iniciativa e novos modelos de negócio fazer com que os brasileiros estejam conectados com o celular. O mesmo vai acontecer com a geração de nossa energia. A gente passando a gerar nossa energia, com vento, biomassa, biogás, também quando disponível água, mas a gente precisa diversificar”, afirmou. “A gente vai ter de entender que o setor elétrico precisa dividir esse recurso com outras áreas da sociedade”, ressaltou.
De acordo com Rodrigo, o Brasil tem recursos renováveis mais abundantes e competitivos do mundo, mas faltam políticas públicas. Segundo ele, o Brasil amarga atraso no desenvolvimento da energia solar. “Por seu próprio mérito e esforço, tem avançado”, disse. Conforme o presidente da Absolar, parcela grande dos consumidores não pagam o preço horário, cobrado mais caro de noite, enquanto o pico de consumo no país tem ocorrido durante o dia.
Apagão
Em sua segunda participação, Elena Landau destacou que o Brasil hoje tem menos dependência de água na crise elétrica de hoje em comparação com a ocorrida há 20 anos. Para ela, é preciso explicar para a população que o problema hoje é consumo de ponta e os sinais trocados dados pelo governo, que soam como punição para o consumidor.
“O problema não é a entrada de térmicas no sistema, isso é quase inevitável para dar segurança, mas os sinais de preço. O mercado tem que funcionar. Se não dá sinais de preço, as pessoas não vão fazer alocação eficiente. Aí você acaba aumentando tarifa tentando consertar problemas da estrutura”, afirmou. “Se eu tivesse de dar prioridade a alguma coisa, era rever a formação de preços do mercado de energia”, acrescentou Elena Landau.
Bernardo Bezerra, da Omega Energia, explicou a diferença entre o que o país passa hoje e a crise de 20 anos atrás. Segundo ele, o racionamento de 2021 foi feito ao longo de vários meses para recuperar reservatórios, por meio da redução do consumo.
“Hoje em dia esse ponto é difícil de a população entender, mesmo que a gente reduza o consumo, não vamos conseguir aumentar o volume de água dos reservatórios. Porque o que chega de água para as hidrelétricas é tão pouco que é menor do que um fluxo mínimo no rio para garantir navegabilidade, piscicultura, outros usos da água daquele rio. Não adianta reduzir o consumo ao longo de meses porque o reservatório vai continuar esvaziando”, explicou. Segundo ele, o Brasil provavelmente terá de pagar para o industrial reduzir o consumo na ponta. “A gente não tem ferramenta para fazer essa sinalização de preço para outros segmentos”, disse.
Sem subsídios
Paulo Ganime defendeu que o país avance com as fontes renováveis, sem subsídio. “O Brasil tem potencial muito grande que aproveita pouco. Não acredito que em médio e longo prazo que a gente resolva o problema ainda sem as termelétricas. Não com o modelo proposto na MP da Eletrobras, mas um modelo de mercado, que instale essas termelétricas nos lugares adequados, de acordo com a demanda de energia, que o mercado deveria decidir não por uma imposição legal”, afirmou o deputado.
Para ele, é fundamental envolver as pessoas e as empresas na discussão, para “responsabilizar mais cada um de nós”. “Liberar o mercado, fazer com que o indivíduo seja mais importante e relevante neste setor vai nessa direção, somando desde a geração, distribuição por um mercado mais livre e até na outra ponta com o consumidor com mais responsabilidade, seja pela possibilidade de comprar livremente sua energia ou pela precificação”, afirmou o parlamentar do Novo.
Fonte barata
O presidente da Absolar, Rodrigo Sauaia, contou que a energia solar e eólica representam 10% da matriz energética do país. Segundo ele, esse percentual pode chegar a 41%. Hoje a matriz brasileira é 83% renovável. “São fontes das mais competitivas e baratas que o Brasil tem”, defendeu. “Quem é o suporte da energia solar e eólica, da variação que essas energias têm na matriz, quando o vento sopra mais ou menos forte, o sol brilha mais ou menos intensamente, o melhor suporte para nossa matriz é a água, elas são flexíveis. São rápidas de ligar a potência delas, de dar apoio para as renováveis”, afirmou.
Clauber Leite, do Idec, observou que o consumidor sempre é chamado a participar quando o país enfrenta uma crise energética. Ele lembrou que até 40% da conta da energia é formada por tributos. Para Clauber, é preciso reduzir o preço para o consumidor. “Aumentando o preço, aumenta o furto de energia, aumenta a inadimplência. O consumidor já está no limite. Nem sabe o que está pagando ali”, afirmou.
Além da consciência
Elena Landau destacou que não há mais como o consumidor arcar com subsídios e o custo dos problemas do setor elétrico e que desajustes da MP da Eletrobras vão onerar ainda mais a conta de energia. Situação que pode, na avaliação dela, piorar com a MP do racionamento.
“Evidente que nós queremos ser consumidor consciente. A gente quer administrar nossa conta, saber o horário que usa, usar energia limpa. A gente quer tudo isso. Mas essa transição regulatória precisa ser feita. Porque se de uma hora para a outra as distribuidoras perdem todo seu mercado para fontes incentivadas, elas vão ter de descontar essa perda em quem não consegue deixar de ser consumidor cativo”, alertou. “A gente precisa entender melhor onde estão alocados os custos”, ressaltou.
A economista também apontou a necessidade de participação dos estados para o barateamento da energia, já que grande parte da tarifa é composta pelo ICMS, de competência estadual. “Você não consegue baratear a energia sem uma contribuição dos governadores, que você não pode imaginar que vão abrir mão de uma receita que para eles é líquida e certa. É preciso ter cuidado na transição. O modelo do setor elétrico foi montado com uma racionalidade. Aí a gente depende de agência reguladora”, afirmou Elena.
Reserva de mercado
Bernardo Bezerra defendeu que o país acabe com as reservas de mercado, como as previstas em jabutis da MP da Eletrobras. “A fonte renovável é a fonte mais barata do setor elétrico e é justamente por isso que está se criando reserva de mercado para fontes mais caras e não conseguem competir com outras fontes, no caso, a termelétrica.”
Para ele, o país vai ganhar se houver condições mais igualitárias para o setor, o que aumentaria a competitividade. “Existe em particular certo tipo de subsídio que você aumenta a conta dos outros consumidores. Isso gera efeito cumulativo, que vai se retroalimentando que é ruim para todo mundo. No caso específico da geração distribuída é exemplo desse tipo de fenômeno. Existe parcela dos custos que não é paga por determinados setores, que foi criado em 2012, revisitado em 2015, para terminar em 2019, ele acaba aumentando o custo de outra parcela da sociedade”, afirmou o presidente-executivo da Omega Energia.
Mudanças não discutidas
Clauber, do Idec, reclamou que as mudanças provocadas pela MP da Eletrobras não foram discutidas com o consumidor. Hoje a gente fala, levanta os argumentos, mas não é sentido naquele momento, a gente vai sentir em um ou dois anos, quando a conta chegar. A gente luta para que haja mais discussão para que esses números sejam colocados em escrutínio, os especialistas sejam ouvidos, a Aneel seja ouvida, essa estrutura foi feita para estudar essa demanda, garantir o suprimento ao menor preço possível para que haja menor impacto para todos os consumidores. Quando nada disso é escutado, não tem discussão aberta, esquece tudo isso. Ninguém pensou na demanda nem no preço para o consumidor. Quem vai pagar a conta somos nós”, declarou.
Rodrigo Sauaia disse que 40% da potência instalada da hidrelétrica de Itaipu estão “nos telhados das pessoas”. “Essa energia está ajudando o país neste momento, aliviando a pressão sobre os reservatórios das hidrelétricas e aliviando a necessidade de fazer uso de termelétricas, que são mais caras e poluentes, pesam no bolso dos consumidores”, afirmou, em alusão à energia eólica.
Custos e ganhos
O presidente da Absolar rebateu críticas feitas aos subsídios destinados ao setor. “Quando a gente faz um debate equilibrado sobre a geração distribuída, e isso vinha acontecendo desde 2018, quando a Agência Nacional de Energia Elétrica estabeleceu que faria uma metodologia de cálculo de custos e benefícios da geração distribuída, que é a melhor referência internacional, recomendada por especialistas do setor elétrico para definir quanto essa energia vale para a sociedade e qual valor justo ela deve pagar quando você injeta energia na rede”, defendeu.
Segundo ele, a geração distribuída reduz a conta de todos. “Recomendamos à agência que o valor a ser cobrado no Brasil fosse de 13,5% a 14% a cada vez que você injeta energia na rede”, afirmou. Para ele, é preciso olhar não só para os custos desse modelo, mas também para os seus benefícios. Houve, na avaliação dele, uma guerra de narrativas, sem que critérios técnicos fossem levados em conta.
Mercado livre
Clauber defendeu o direito de o consumidor buscar o mercado livre. “Tendo boa regulação, ele pode ser benéfico no poder de escolha do consumidor. Ele poderia comprar da fonte que quisesse”, disse. “Precisamos aprofundar mais esse debate”, acrescentou. Segundo ele, é necessário valorar os subsídios concedidos para o setor.
Bernardo Bezerra, da Omega, defendeu que se volte a discutir de maneira técnica a geração distribuída (GD), defendida por Rodrigo Sauaia. Bernardo deixou clara sua discordância com o modelo, que, segundo ele, onera todos os consumidores. “A discussão não é geração distribuída versus geração centralizada. A discussão é como se cria um ambiente sem esses subsídios, com custos transparentes para todo mundo. E que você permita competição justa e transparente”, declarou o executivo.
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