O grupo Globo e a Folha anunciaram ontem (segunda, 25) que não mandarão mais suas equipes ao Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República. Alegaram, com toda razão, que falta segurança para os seus profissionais atuarem no local, onde são hostilizados de modo cada vez mais agressivo pelos apoiadores de Jair Bolsonaro (veja ao fim deste texto os comunicados da Folha e do grupo Globo).
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As rotineiras paradas de Bolsonaro à porta do Alvorada para produzir declarações de impacto levaram o Congresso em Foco a enviar repórteres diariamente ao local, nas primeiras semanas do ano. As matérias eram muito acessadas. Apesar do sucesso de audiência, passamos a questionar internamente se valia a pena aquele esforço. Primeiro, pela segurança não apenas física, mas também moral, de nossos profissionais. Agressões ao jornalismo, a jornalistas e a empresas jornalísticas não são acidente de percurso de Bolsonaro. São parte fundamental da sua trajetória pública.
> Grupo Globo e Folha retiram jornalistas do Alvorada
Bolsonaro se transformou em “mito” com alguma ajuda da imprensa. Ela muitas vezes o levou às manchetes em razão de atos geralmente criminosos, como a defesa da tortura e da morte de adversários políticos ou agressões contra suas vítimas preferidas, entre as quais, mulheres, jornalistas, LGBTs, negros, indígenas e quilombolas. Nós, jornalistas, publicávamos escandalizados, chocados, certos de que a mera divulgação mostraria que se trata de um bandido disfarçado de político, mas acontecia o contrário. Parte da população se identificava com aquilo, e a serpente crescia em tamanho e poder letal. Tampouco foi o Judiciário capaz, até aqui, de deter a marcha de irresponsabilidades, de apologias ao crime e de gastos mal explicados (rachadinhas, pagamentos a funcionários fantasmas etc.) que caracterizam a biografia do ex-deputado.
Claro que um político medianamente preparado, uma vez na condição de líder eleito da nação, teria uma atitude de certa ponderação no trato com a imprensa. Evidente, também, que a regra não poderia ser aplicada a uma aberração moral, intelectual, política e administrativa como Jair Messias Bolsonaro. Aconteceu o contrário. Mais poderoso, Bolsonaro se sentiu no direito de desrespeitar ainda mais o trabalho jornalístico. No cercadinho, ele encontrou plateia diária de fãs incondicionais, dispostos a – como dizem vários deles – “dar a vida” pelo “mito”. Dali para o teatro foi um pulo. Amparado por sua claque, Bolsonaro passou a promover shows diários de grosserias e de manipulação.
Descompostura não apenas contra os jornalistas ali presentes, ou as marcas que eles representam. Mas contra toda a sociedade. Jornalistas e mídia são expressão do desejo da população de ser informada. Não há jornalismo perfeito, e é legítimo apontar e corrigir os seus erros. Quem promove campanha contra imprensa, no entanto, é aspirante a ditador, é quem não aceita ser questionado. Ao menosprezar, mandar calar a boca, se recusar a responder perguntas, ameaçar e retaliar, Bolsonaro deixa de tratar dos muitos temas espinhosos de um governo que conquistou fama mundial pela prepotência e pela inépcia. Desqualifica para não ter de falar do Bolsonaro real, cuja honestidade e cujos supostos méritos de liderança são proclamados apenas por quem está desinformado, mal intencionado ou lhe deve obediência hierárquica. Para completar, fiel à vocação dos populistas, inventa adversários contra os quais procura unir militantes cada vez mais fanáticos e perigosos.
PublicidadePor tudo isso, faz exatos 85 dias que o Congresso em Foco disse adeus ao cercadinho. Foi em 2 de março. Debatemos muito o tema na redação e em fóruns da área, mas não fizemos nenhum comunicado oficial. Apenas deixamos de ir e passamos a monitorar pelas mídias sociais e pelo telefone. Prejuízo de conteúdo? Zero, já que todas as baboseiras que dali saem são fartamente reproduzidas pelo poderoso exército de comunicação paralelo do bolsonarismo. É material geralmente impróprio para publicar sem edição profunda, de modo a poupar os desavisados das sandices que o presidente costuma dizer, como a leviana prescrição de um medicamento que mata.
Incrível foi assistir nas últimas semanas à reverberação do ódio presidencial em escala nacional. Recompensa financeira para quem agredir repórter da TV Globo em Brasília. Empresário de comunicação defendendo apedrejamento de jornalistas na Paraíba. Jornalistas ameaçados de morte em Belo Horizonte. Que pesadelo! Que vergonha! Que absurdo! E farsantes invocando Deus e a Bíblia para declarar apoio a isso!!!
Temos de reagir. Todos. Jornalistas, veículos, anunciantes, entidades da sociedade civil, artistas, trabalhadores, empresários, o porteiro do prédio, você que nos lê agora e até aquela sua tia que votou em Bolsonaro mas está arrependida, porque é uma pessoa de bem e não aprova o banditismo que se apoderou da república. Um banditismo que demonstra sua desumanidade extrema ao desdenhar a pandemia de covid-19, ignorar todas as recomendações sanitárias ditadas pela ciência e lançar a população a um genocídio que vai superar em muito as 23.473 mortes neste momento registradas pelo Ministério da Saúde.
Não, não é jornalismo ser figurante do teatro assassino do bolsonarismo. Sem o respeito ao direito de cumprir nossa missão profissional, que pressupõe a inexistência de censura a perguntas ou de qualquer outro tipo de constrangimento, queremos distância de cercadinhos, ainda que tenhamos toda a segurança do mundo para os jornalistas. Em 2018, pela primeira vez publicamos um editorial contra um candidato. A exceção se justificava pela insistência de Bolsonaro, desde sempre, em se servir do jogo democrático para tentar desmoralizá-lo e inviabilizá-lo. Faz tempo que contamos a história verdadeira dessa triste figura da extrema-direita e dos desordeiros que o apoiam. Não será agora que vamos legitimar a farsa de quem não para de colocar em risco a saúde dos brasileiros e a democracia, sem a qual é impossível qualquer jornalismo digno desse nome.
> População impede caravana bolsonarista
Os comunicados do grupo Globo e da Folha
O anúncio da Folha no Twitter:
⚠️ ATENÇÃO ⚠️
A Folha decidiu suspender a cobertura jornalística na porta do Palácio do Alvorada temporariamente até que o Palácio do Planalto garanta a segurança dos profissionais de imprensa.https://t.co/m43vDsMiLw— Folha de S.Paulo (@folha) May 26, 2020
Em comunicado ao ministro Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e à Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República, o jornal afirma:
“A Folha decidiu suspender a cobertura jornalística na porta do Palácio da Alvorada temporariamente até que o Palácio do Planalto garanta a segurança dos profissionais de imprensa”.
Já o grupo Globo (que inclui a TV e o jornal homônimos, o portal G1, o jornal Valor Econômico e a revista Época) enviou ao general Heleno a seguinte carta:
“Ao cumprimentar V.Exa., trazemos ao conhecimento desse Gabinete uma questão que envolve a segurança da cobertura jornalística no Palácio da Alvorada. É público que o Senhor Presidente da República na saída, e muitas vezes no retorno ao Palácio, desce do carro e dá entrevistas bem como cumprimenta simpatizantes. Este fato fez vários meios de comunicação deslocarem para lá equipes de reportagem no intuito de fazer a cobertura.
Entretanto são muitos os insultos e os apupos que os nossos profissionais vêm sofrendo dia a dia por parte dos militantes que ali se encontram, sem qualquer segurança para o trabalho jornalístico.
Estas agressões vêm crescendo.
Assim informamos por meio desta que a partir de hoje nossos repórteres, que têm como incumbência cobrir o Palácio da Alvorada, não mais comparecerão àquele local na parte externa destinada à imprensa.
Com a responsabilidade que temos com nossos colaboradores, e não havendo segurança para o trabalho, tivemos que tomar essa decisão.
Respeitosamente,
Paulo Tonet Camargo
Vice-Presidente de Relações Institucionais
Grupo Globo”
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