Alexandre Rollo *
Como diria Dorival Caymmi em sua bela canção Samba da Minha Terra, “Quem não gosta do samba, bom sujeito não é. É ruim da cabeça ou doente do pé”.
Transportando esses versos para o Direito Eleitoral, é preciso que se diga que quem não gosta da urna eletrônica, bom sujeito não é. É ruim da cabeça ou sofre de graves problemas de memória.
Quem critica a urna eletrônica se esquece do passado quando tínhamos as urnas de lona, as cédulas de papel, o mapismo, o voto formiguinha, a urna gravida (que já chegava no colégio eleitoral com votos), a queda de linha (quando os votos atribuídos a um candidato caiam, de forma dolosa ou culposa, para a linha de outro candidato), etc. Naquela época as “brigas” na apuração (voto a voto), eram insanas.
Nas eleições majoritárias (para prefeito, por exemplo), as cédulas eram impressas com quadrados ao lado dos nomes dos candidatos. O voto deveria corresponder a um “x” dentro do quadrado que ficava ao lado do nome do candidato escolhido pelo eleitor. Quando o eleitor marcava o seu “x” fora do quadrado, lá vinha briga. Era voto nulo ou deveria ser respeitada a intenção de voto do eleitor? E quem disse que essa era, realmente, a intenção de voto do eleitor? Quando o eleitor grifava o nome do seu candidato, nova briga. Quando o eleitor circulava o nome do seu candidato, idem.
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Nas eleições proporcionais (para vereador, por exemplo), a agonia ainda era maior. O eleitor precisava escrever o nome do seu candidato, algo que nem sempre era fácil. Maurício dos Santos virava Marica Santos, Maurílio Santo, Marcílio Sota, Murici dos Santos e, muitas vezes, não se decifrava a letra do eleitor (acho que esse era o meu caso — minha letra de canhoto é péssima). Nesses casos, era impossível se verificar qual teria sido a intenção de voto do eleitor. Tudo isso acabava representando voto nulo.
Quando não se tinha a certeza do voto, ele era carimbado como nulo. E lá vinha outra briga. Votos em branco, com um mero “x” do escrutinador, tornavam-se votos válidos. Cheguei a presenciar voto sendo literalmente mastigado (não era chiclete, era voto mesmo, e com sabor amargo).
Os escrutinadores ficavam dentro de um ginásio, com várias mesas, umas ao lado das outras para apuração simultânea de várias urnas. As mesas de apuração normalmente eram cercadas por estruturas de madeira. Os fiscais ficavam do lado de fora desta barreira de madeira. A distância dos fiscais para as mesas, nem sempre era ideal. Fiscais com mais idade (e com miopia), certamente não exergavam o voto do eleitor, o que prejudicava a fiscalização. Não havia espaço para todos os fiscais em frente a cada mesa. Era muito comum o “jogo de corpo” tão conhecido na prática futebolística. Fiscais maiores faziam valer a sua força. E lá vinha mais briga. Isso sem falar no calor.
As eleições ocorriam em 15 de novembro (verão), a apuração era feita no interior de ginásios e era impensável que se ligasse um mero ventilador (artefato que reduziria o calor de todos, mas que embaralharia as cédulas de papel que deveriam ser apuradas). Era bizarro, quase uma tortura. E isso durava dias e dias.
Não tenho nenhuma saudade disso. A urna eletrônica acabou com esse martírio. Ufa, que bom. Ela se auto-apura emitindo o chamado boletim de urna ao final do processo de votação com todos os votos que nela foram registrados (sem identificação do eleitor — obviamente). Partido que retire uma via do boletim de urna de todas as urnas (isso é possível de ser feito), poderá fazer uma totalização paralela (ou seja, o voto eletrônico é auditável). São mais de 30 as camadas de segurança das urnas eletrônicas. Isso não existia com as urnas de lona.
Diferentes presidentes da República, de diferentes partidos, foram eleitos através dela. Essa alternância também ajuda a comprovar a sua fidedignidade. Quem critica a urna eletrônica é negacionista eleitoral. O negacionismo virou moda na história recente do Brasil (infelizmente). Enfim, vale repetir que quem não gosta da urna eletrônica, bom sujeito não é. É ruim da cabeça ou é simplesmente maldoso.
*Alexandre Rollo é advogado, especialista em Direito Eleitoral. Conselheiro estadual da OAB-SP, é doutor e mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP
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