Em 1949, foi lançado o livro “Coronelismo, enxada e o voto” de Victor Nunes Leal, que se tornou clássico da ciência política brasileira. O autor descreve o ambiente social, administrativo, econômico e político que propiciou a emergência do coronelismo durante o Império e a República Velha. O mando local dos coronéis, cacifados pela concentração de poder e das ferramentas econômicas, maculava a “democracia brasileira”. As eleições eram totalmente manipuladas. Não votavam analfabetos, escravos e mulheres. Ou seja, a maioria não participava do sistema político. O voto era aberto. E o trabalhador ou profissional liberal que não acompanhasse a orientação do coronel local certamente sofreria retaliações.
O eleitorado era tratado como rebanho. Daí veio o nome “voto de cabresto”. Não havia liberdade de organização, opinião e mobilização. Os sistemas policial e judiciário eram dominados pelo espírito partidário e constituíam instrumentos básicos de sustentação do poder dos coronéis.
Com a Revolução de 1930, mudanças foram introduzidas. Além da centralização de poder esvaziando o poder dos coronéis locais, o voto secreto e o direito ao voto das mulheres foram introduzidos pelo Código Eleitoral de 1932, decretado por Vargas. E incorporados à Constituição de 1934. Os analfabetos, que infelizmente eram milhões no Brasil, só foram incluídos por uma Emenda Constitucional em 1985, já na Nova República. Como se vê democracia para valer só tivemos no Brasil no atual ciclo político da redemocratização.
Leia também
Mesmo com os avanços introduzidos a partir da década de 1930, as fraudes continuaram a ocorrer. O voto era no papel e escrito pelo eleitor. As apurações levavam vários dias e eram tensas e conflituosas. Os “coronéis modernos” entre outros expedientes inventaram a “roda d’água”.
E aí exemplifico com um exemplo de minha cidade, Juiz de Fora, da década de 1970, que entrou para o folclore político local. Na abertura das urnas nas comunidades suscetíveis à manipulação três ou quatro eleitores fingiam que depositavam seus votos e levavam as cédulas em branco para fora das secções. E a fila começava a receber as cédulas preenchidas por outros. Pegavam a cédula preenchida e depositavam nas urnas e saíam com a em branco para fora, girando como uma “roda d’água”. Numa determinada eleição em um distrito de Juiz de Fora isso certamente ocorreu. Quando a urna foi apurada, os votos para vereador estavam todos com a mesma letra. O partido oponente reclamou. O fiscal do partido do vereador, entrevistado pela rádio local, ao ser questionado teve o desplante e a cara-de-pau de dizer: “Sabe o que é, aqui todos estudaram com a mesma professora e têm a mesma calegrafria (sic)”.
Diante de todo este histórico dos processos eleitorais, a urna eletrônica, um grande e fundamental avanço da democracia brasileira, foi introduzida pela Justiça Eleitoral, experimentalmente, em 1989. Depois foi generalizada a partir de 1994. São 28 anos de experiência
Não faz sentido a atual polêmica. A prova viva de que o sistema é seguro e confiável é que tivemos, a partir de 1994, a eleição de um presidente centrista, Fernando Henrique Cardoso, dois presidentes de esquerda, Lula e Dilma, e um de direita, Jair Bolsonaro. Que gastemos nosso tempo discutindo os graves problemas do país e suas soluções. E que o vencedor, seja empossado.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.
Deixe um comentário