Ivone Silva*
O Sindicato dos Bancários completa, em abril, um século de história. Um dos maiores sindicatos da América Latina. Representamos 139 mil pessoas em 2.000 locais de trabalho. No Brasil, são 443 mil bancários. Uma das únicas categorias com uma Convenção Coletiva nacional, criada em 1992, que garante os mesmos salários e direitos em todo o país e em todos os bancos, públicos e privados.
Durante dez décadas, a entidade se manteve atuante no cenário político, econômico e social. Da resistência aos desmandos da ditadura e na participação ativa no movimento pelas Diretas, desde o primeiro comício, no estádio do Pacaembu, até as organizações de comitês pela democracia. Sob censura, dirigentes e militantes entraram na clandestinidade e sofreram com as duras consequências em função da luta política que desempenharam junto à entidade.
Nossa luta coletiva nos fortalece e serve de exemplo para outras categorias. As relações de trabalho tiveram muitas transformações. No século XIX, o trabalho era considerado uma mercadoria como outra qualquer que, portanto, podia ser negociada de acordo com as regras de mercado, sem nenhuma interferência. Esse cenário gerou condições de trabalho, jornada e remuneração tão desumanas que a sociedade se mobilizou e passou a criar instituições para regular a relação de emprego, como as leis trabalhistas, a justiça do trabalho e a organização sindical.
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Nas últimas décadas, o principal fator a impulsionar o lucro dos bancos é o forte processo de corte de gastos, vinculado a uma intensa aplicação de novas tecnologias e flexibilização de regras trabalhistas no setor que reduz postos de trabalho e estruturas físicas de atendimento aos clientes. O processo de migração das operações bancárias para os canais digitais está crescendo a passos largos.
Nos últimos 10 anos, as transações bancárias efetuadas através dos canais digitais (internet e mobile banking) passaram de 42% para 70% do total das transações, o que representa uma expressiva redução de custos operacionais para as instituições financeiras. A aplicação de tecnologia precisa, de fato, gerar ganhos para todos os agentes envolvidos no processo, ou seja, empresas, trabalhadores e sociedade. No entanto, não é o que se observa no caso dos bancos. Os clientes seguem pagando as mais elevadas taxas de juros e tarifas bancárias do mundo. Os trabalhadores, muito menos. Foram eliminados mais de 70 mil postos de trabalho em todo o país, no mesmo período, ao invés de serem recolocados em outra ocupação ou de terem sua jornada de trabalho reduzida.
A discussão da semana de quatro dias, nova reivindicação nas negociações, é uma excelente alternativa. Existem outros exemplos de inovações tecnológicas, características deste processo, que já estão sendo aplicadas nos bancos, como a Inteligência Artificial, a digitalização do atendimento aos clientes e das áreas de apoio, os novos modelos de negócios e de agências e os novos modelos de trabalho, como o teletrabalho. O Sindicato atua em diversas frentes para fazer com que todas estas transformações sejam realizadas com a participação dos trabalhadores e sua representação.
Mantemos um centro de pesquisa na nossa Faculdade 28 de Agosto, com o objetivo de estudar e gerar conhecimento sobre as transformações tecnológicas nos bancos e, com isso, ter subsídios para nossas ações. Na negociação coletiva, o tema tem se tornado cada vez mais relevante. Em 2013, por exemplo, a categoria conquistou cláusula na Convenção Coletiva que proíbe que os gestores façam cobranças de metas e resultados por mensagens no telefone particular dos trabalhadores e trabalhadoras. Na campanha de 2016, conquistamos a criação de um grupo de trabalho conjunto entre os bancários e a Fenaban (Federação Nacional dos Bancos) para estudar e criar formas de realocar e requalificar os bancários afetados pelas transformações tecnológicas. Na última negociação coletiva, foram firmadas condições específicas para o teletrabalho com inclusão de auxílio financeiro, controle de jornada e direito à desconexão.
Não podemos esquecer que a ampliação do teletrabalho também foi impulsionada pela pandemia do coronavírus e, neste sentido, a atuação sindical foi fundamental para salvar a vida dos bancários. O enfrentamento à pandemia foi resultado de inúmeras negociações com bancos que, além de focar em medidas sanitárias protetivas, culminou na elaboração de duas pesquisas de teletrabalho que apontaram um diagnóstico mais preciso da realidade da categoria, com consulta aos bancários e um diálogo direto, transparente e democrático.
O permanente processo de consulta à categoria — seja por meio de pesquisas, no dia-a-dia, nas conversas ou via canais de atendimento — traz informações sensíveis, que são utilizadas nas mesas de negociação. A intensidade do trabalho, estimulada pelos avanços tecnológicos e aumento das metas, tem culminado na elevação do número de adoecimentos na categoria. Nas décadas passadas, as lesões por esforços repetitivos eram as maiores causas de preocupação. Atualmente, no entanto, as doenças mentais e comportamentais são as maiores causas de adoecimento e afastamento da categoria.
O lucro líquido dos maiores bancos no Brasil cresceu 190% acima da inflação entre os anos de 2003 e 2021. A rentabilidade média nos últimos cinco anos ficou 3,2 vezes acima da inflação. Até o terceiro trimestre de 2021, estes mesmos bancos lucraram mais de R$84 bilhões. Independentemente do cenário político, econômico e social, os bancos permanecem com alta lucratividade e rentabilidade. Cifras apropriadas pelos acionistas com altos dividendos, que não pagam sequer imposto de renda. É preciso defender um sistema tributário progressivo para regular os lucros exorbitantes dos mais ricos. Precisamos voltar a pensar num sistema financeiro que promova crédito sustentável e barato; que inclua as pessoas que precisam ser bancarizadas; que atenda às peculiaridades regionais e geracionais do país; que ajude a desenvolver áreas prioritárias, como habitação, agricultura e educação; que ajude a economia a retomar o crescimento e gerar empregos e que destine recursos para projetos de infraestrutura no país.
Para tanto, é fundamental o fortalecimento dos bancos públicos. Também é necessária uma taxa de juros condizente com a nossa realidade. Acreditamos que a autonomia, que apenas serve aos interesses do mercado, deva ser revista para uma atuação em consonância com o governo legitimamente eleito. De outro modo, teremos um sistema financeiro mais excludente, concentrador de renda e que funciona cada vez mais como um obstáculo ao pleno crescimento econômico e social do Brasil.
Portanto, nosso papel é regular, interferir, melhorar as condições de trabalho dos representados e, ainda, num plano mais geral, auxiliar na construção de um modelo de desenvolvimento econômico que favoreça os trabalhadores em toda sua amplitude.
Um século passou. A sociedade já não é mais a mesma. O setor financeiro já não é mais o mesmo. As transformações são constantes. Os nossos desafios são renovados. Mas nossa luta permanece. Olhamos para o retrovisor, com sentimento de dever cumprido. Um Sindicato protagonista na busca permanente pela transformação social.
*Ivone Silva – Formada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo e em Arquitetura e Urbanismo na Faculdade Anhanguera, com MBA em Finanças, Controladoria e Auditoria pela Fundação Getúlio Vargas. É presidenta do Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região.
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