Alexis Fonteyne*
O Refis é a muleta que o governo oferece com favor depois de quebrar as pernas do empresário. Esta frase foi cunhada muito antes do advento da pandemia e já mostrava a necessidade urgente da reforma tributária.
Antes de falar da “muleta”, vamos entender como o governo “quebra as pernas” dos empresários. As empresas basicamente quebram por falta de caixa, não necessariamente por falta de lucro, como bem dizia o badalado CEO da General Electric, Jack Welch, “lucro é uma opinião, caixa é um fato”. Mas qual é o grande problema de fluxo caixa que as empresas, principalmente pequenas e médias, enfrentam?
Há três problemas. O primeiro é que elas pagam tributos muito antes de receber. Em média, as empresas brasileiras recolhem suas obrigações 20 dias após a emissão da nota fiscal. Não há qualquer relação com o recebimento dos valores devidos e, mesmo quando quem compra não paga, os tributos são devidos do mesmo jeito pelo fornecedor. Esta modalidade de apuração e pagamento pela referência à emissão da NF, é conhecida como apuração pelo regime de competência. Se os tributos fossem pagos pelo regime de caixa, o fornecedor pagaria os tributos conforme recebesse do cliente, haveria um casamento entre o recebimento e o pagamento e, obviamente, a empresa sempre pagaria os tributos referentes a uma prestação de serviço ou venda de produtos, com o dinheiro em caixa.
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O segundo problema é que tentou-se contornar a enorme complexidade do sistema tributário brasileiro com presunções de lucro no faturamento. A tributação do regime do Simples Nacional é toda baseada em porcentagem do faturamento, sem qualquer relação com o lucro ou o valor agregado. O regime do lucro presumido é outro que o próprio nome denuncia a intenção e entrega o problema. O Imposto de Renda e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido é todo baseado em porcentagens do faturamento, independentemente de ter se auferido lucro ou de se ter agregado valor. No Brasil, ainda temos um criativa jabuticaba tributária chamada de substituição tributária, que faz com que o fabricante de bens pague antecipadamente toda a carga tributária estimada na cadeia de distribuição. Por exemplo, um fabricante de pneu, se for vender para um atacadista, terá de pagar antecipadamente o ICMS do atacadista e do varejista. Haja capital de giro para financiar antecipadamente os tributos dos outros.
O sistema foi criado sob pretexto de simplificação, mas nada mais é do que uma máquina de tributar. Outra distorção nesta mesma linha é o Diferencial de Alíquota, conhecido como DIFAL, que hoje é pago antecipadamente, à vista, para que a guia quitada acompanhe a Nota Fiscal até o destino. Neste caso, é o fornecedor de um Estado pagando a diferença de ICMS entre os Estados que deveria ser pago pelo comprador em outro Estado.
O terceiro e último problema, não advém de Estado ou governo, mas é prática de mercado. É uma questão de quem é o “maior peixe”. As maiores empresas, para preservar o seu caixa, trabalham “com capital de giro de seus fornecedores”. Estas grande empresas, vendem em curto prazo, muitas vezes à vista – o caso das montadoras, por exemplo – e pagam seus fornecedores em 90 a 120 dias. Assim elas sempre têm fluxo de caixa positivo para pagar tributos e fornecedores, no entanto, provocam um fluxo negativo em seus fornecedores.
Como podemos ver, pequenas e médias empresas vivem com fluxo de caixa negativo em razão do pagamento de tributos antes do recebimento dos produtos; pagam tributos presumidos e recolhem o tributo dos outros. Se tivéssemos um regime tributário do tipo IVA ou se o governo concedesse maiores prazos e fizesse cada um pagar os seu tributo, estaria ajudando muito.
Uma vez “quebrada as pernas” do empresário, o governo oferece a “muleta” como quem faz um favor.
Pelo exposto, o Refis acabou virando modalidade complementar ao sistema tributário. O Refis é um sistema que muitas vezes dá sobrevida a empresas que não deveriam mais existir, mas ele só existe e se justifica em razão do atual caótico sistema tributário.
O governo, de tempos em tempos, para evitar uma quebradeira em massa e gerar uma receita extra para fazer frente às despesas de mandato, cria um Refis, permitindo que empresas com débitos tributários possam refinanciar as dívidas em dezenas de parcelas a juros mais palatáveis e conseguirem a famosa Certidão Negativa de Débitos.
O problema é que virou rotina, o Refis ficou previsível, tornando-se para muitos uma ferramenta de planejamento tributário ao invés de uma tábua de salvação. Criou-se a figura do devedor contumaz, para quem o Refis nunca deveria ser aplicável.
Um dispositivo de refinanciamento de dívidas tributárias se justificaria quando se trata de uma excepcionalidade de uma situação fora da curva, como é o caso desta pandemia.
O governo sabia desde o início da pandemia que com o fechamento compulsório do comércio, bares, restaurantes, hotéis, teatros, cinemas, centros de convenção, e vários outros setores da economia, além de proibir os voos, as empresas teriam uma queda abrupta de faturamento e consequentemente não conseguiriam honrar o pagamento de seus tributos. O governo até diferiu o pagamento do FGTS e três meses do Simples Nacional, mas ele poderia se antecipar e, de maneira coordenada com os estados, ao invés de tratar de forma horizontal as empresas, poderia tratar de forma setorizada, de forma cirúrgica evitando assim a necessidade de um Refis.
Há vários setores da economia que não precisam de ajuda, que podem pagar tributos normalmente. Setores do agronegócio, farmacêutica, produtos de limpeza, aplicativos de entrega, teleconferência, transmissão de dados entre outros, tiveram inclusive aumento de faturamento. Faz sentido dar diferimento de tributos para estes setores?
O governo tinha duas opções, ou se antecipava e reconhecia o estado de vulnerabilidade de vários setores, tratando de forma diferenciada, em alguns casos até propondo um regime de hibernação onde elas ficariam totalmente desobrigadas de qualquer obrigação acessória e assim evitar a necessidade de um Refis, ou o governo “deixava rolar” e ajustava posteriormente como provavelmente vai acontecer agora que a primeira opção não foi adotada.
Não resta, portanto, outra saída a não ser fazer um Refis específico para as empresas que foram afetadas pela pandemia mas que terá duas características muito particulares. As empresas vão precisar comprovar queda de faturamento e vão poder usar créditos tributários, previdenciários e prejuízos acumulados para quitar as suas dívidas, ou seja, vão poder usar “dinheiro podre” para quitar dívidas e preservar o dinheiro novo, como capital de giro para retomar a atividade econômica.
O Refis da pandemia não deixa de ser uma distorção, mas é uma ponte necessária entre as normalidade, um fôlego para dar sobrevida a empresas que não são ineficientes mas foram abalroadas pela pandemia.
Nem todas as empresas devem sobreviver, não é obrigação do governo salvar empresas, mas também não deve ser o governo o provocador da sua morte. Empresas deveriam nascer e morrer pela seletividade do mercado e não pelo ambiente ruim gerado pelo governo.
O Refis da pandemia é justo e necessário.
*Alexis Fonteyne é empresário e deputado federal pelo partido Novo
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