Eduardo Bonzatto* e Luis Gustavo Reis**
“Há os especialistas do dizer, do falar e não do pensar”.
(Milton Santos)
Vivemos tempos obscuros. Acostumada ao banquete das virtualidades, a maioria das gentes se habituou ao consumismo. Isso é complicado, pois a atividade de pensamento foi minguando até o ponto em que ela não aparece em lugar algum. Um replicar infinito de clichês, um apego vampiresco ao que não se produziu, um consumo exagerado de referências.
Em pouco tempo, o cenário estava completo. Com habilidades misteriosas, alguns iluminados conquistaram a mentalidade informal das redes e hoje dominam o imenso território dos espaços virtuais.
Não são polemistas, já que o último polemista teria sido Barão de Itararé; são mercadores da palavra, que transferem por meio de paga um certificado de inteligência a quem procura. Não são também os vendedores de autoajuda, cuja fórmula atinge aqueles que, na percepção dos consumidores de inteligência, não são lá muito inteligentes.
São poucos esses difusores de inteligência: Luis Felipe Pondé, Leandro Karnal, Eduardo Marinho, Anderson França, Felipe Neto, Olavo de Carvalho, Mario Sérgio Cortella, não mais que isso. Mas é já uma escola, e cada seguidor alça voos mais elevados.
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Recolhem altas somas de distinção, reconhecimento e dinheiro de uma fração da classe média. Ora, parte esta que se julga intelectualmente “superior”. Portanto, uma classe média que tem um gradiente de importância e privilégio que não é só financeiro, mas cultural, principalmente.
Na idade das trevas contemporâneas, são luminares esses sujeitos a guiarem aqueles que estão preparados para a palavra. São especialistas no dizer, carecem do pensar.
Indivíduos que, hoje, ocupam o lugar dos professores que se perderam no cipoal de conceitos e conteúdos sem significados. O conhecimento formal não mais atrai em um mundo tão pragmático. Já esses senhores iluminados oferecem um cardápio bem variado, embora extremamente limitante, pois seus usuários, que se julgam excelsos portadores do entendimento, são tão carentes de significados que conferem às obviedades oferecidas uma grandiosidade que lhes faltam.
A maioria são homens, e isso é importante, já que esse tipo de inteligência homogênea pauta uma infinidade de mentes em sua compreensão de mundo. Esses consumidores, entretanto, não reconhecem nas mulheres a mesma capacidade. Nesse território, os equivalentes femininos falam de sexo, como a escritora Vanessa de Oliveira.
Os mecanismos de exposição são muito parecidos, com exceção talvez de Olavo de Carvalho, cuja fórmula é pautada em palavrões e teorias de conspiração revividas nestes tempos obscuros.
Os outros são exímios construtores de edifícios discursivos do óbvio. Como pertencem à mesma casta da classe média que seus admiradores, teceram percepções de realidade cuja aparente formulação clama pela inteligência desse público.
Ganham dinheiro de várias formas possíveis: com vídeos, livros, palestras e até com pedidos de dinheiro feitos diretamente ao seu público fiel, caso de Anderson França, cuja modéstia é tocante. Seu público tem um tipo de exigência que responde a esse lugar onde deveria haver criatividade, mas cuja ausência precisa ser preenchida de alguma forma e essa “forma” são os convenientes relatos dos iluminados.
E aqui ocorre um fenômeno curioso. O relato é a expressão exata do que pensam seus “usuários consumidores”. Quando ouvem ou leem os relatos, concluem: “Nossa, penso exatamente como ele!”. E isso valoriza o cliente no mesmo instante.
Assim, vendem uma ideia pronta de pensamento crítico que falta aos seus usuários. O pensamento crítico é uma questão importante aqui, pois eleva o ego de cada um que supostamente o adquire, e de imediato o de seus iluminados.
Se fosse perguntado a qualquer um desses o que entendem por pensamento crítico, provavelmente diriam algo como “saber um assunto de várias perspectivas”, ou “ler muito sobre determinado assunto”, ou “conhecer profundamente uma questão”, enfim, algo do tipo que não explica absolutamente nada sobre crítica.
Têm o mesmo tipo de massa cinzenta de seus admiradores, apenas falam ou escrevem melhor o que todos já sabem, e isso é brutal. Algo como “juntar a fome e a vontade de comer”. Desaparece a linha divisória entre a criação e a criatura.
Todos possuem milhões de seguidores, e isso parece suficiente para erigir um castelo de legitimidade em torno de cada um, cujo ego é bem maior que isso. Sobretudo, há verdade no que pensam e falam, autenticada por essa imensidão de admiradores. A suposta verdade é contagiosa e contagiante.
Há preço e razão para que esse fenômeno se consolide. O preço me parece óbvio: esses seguidores terceirizaram a atividade sagrada de pensar. A razão é menos clara. A autonomia, que é justamente uma presunção de individualidade, um reconhecimento de que o ser, composto por autoimagem e valores, já não consegue manter-se em sua estatura de dignidade. E com ela, claro, sua própria humanização se ausenta.
Consequentemente, todo o vasto território do conhecimento que pertencia ao ser humano agora também é terceirizado, ofertado como uma bandeira na qual a heteronomia se tornou um padrão definitivo e um valor. Ou seja, não só faço o que me mandam, mas penso como pensam e, portanto, não careço refletir e nem tenho de refletir já que meu pensamento é exatamente “esse aí”.
Por fim, os valores que estão sendo tecidos com esses iluminados e suas hordas de seguidores estabelecem um perfil de conivência entre a emissão e a recepção sem nenhuma intermediação. E são todos valores de ausência, de absenteísmo, de inação.
Já está tudo pronto: basta consumir, basta concordar, basta discordar.
* Eduardo Bonzatto é professor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) e ** Luis Gustavo Reis é editor de livros escolares.
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