*João Maciel
Nunca houve, por parte do bloco político representado por Rodrigo Maia, a pretensão de camuflar ou minimizar o alinhamento de seu grupo às reformas econômicas prometidas pelo atual governo, na tentativa de eliminar objeções e fortalecer a adesão dos partidos de oposição à candidatura de Baleia Rossi.
De forma contrária, o atual presidente da Câmara dos Deputados reiterou em diversas ocasiões o apoio às medidas patrocinadas pelo governo obtendo, inclusive, protagonismo em suas tramitações pelo Congresso.
Mas se não há diferenças em termos de um projeto político que suprime direitos, elas ao menos existem em questões de ordem práticas e podem afetar a vida de milhares de pessoas – e até mesmo os rumos da história brasileira.
Por um lado, o compromisso de Arthur Lira com a aprovação do excludente de ilicitude se converteria na morte silenciosa de milhões de jovens periféricos (em sua maioria homens e negros), vítimas históricas da violência e brutalidade policial.
Se aprovada, a medida garantiria ainda mais segurança, conforto e impunidade aos agentes de segurança pública na promoção do terror e no banho de sangue das chacinas comuns a essas populações.
Longe de serem os alvos dos holofotes dos grandes conglomerados de mídia do país, milhões de famílias podem ser destruídas em silêncio pelo mecanismo perverso de extermínio social perpetuado há décadas pelas vielas de todo o Brasil.
Por outro, o compromisso de Lira em articular a aprovação do voto impresso fortalece os arroubos autoritários de Bolsonaro e ameaça o próprio destino da democracia brasileira, já fragilizada pelos ataques frequentes do grupo que comanda o Planalto.
A medida atira o Brasil de volta aos tempos do domínio dos coronéis, onde a compra de votos e a manipulação fraudulenta das cédulas eleitorais eram práticas recorrentes na perpetuação das elites no poder.
Haverá sofisticação: se hoje o compromisso do voto vendido pode se desfazer na privacidade das urnas, os pagamentos passarão a ser realizados apenas mediante apresentação de comprovante.
Ao contrário do que afirma os apoiadores da medida, o comprovante físico que deverá ser depositado em uma urna transparente pode facilmente ser substituído e acompanhar o eleitor para longe da seção.
O brasileiro é um povo que aprendeu o valor da criatividade para contornar seus obstáculos e desatinos diante das adversidades. Contornar a fiscalização de um agente eleitoral sequer se aproxima da capacidade de nossa gente.
Mas se a política é feita também do presente, Bolsonaro observou atentamente as vantagens de incitar o caos eleitoral, como aquele promovido pelo candidato derrotado Donald Trump.
E a existência de um comprovante físico aumenta consideravelmente a margem de manobra de contestação e promoção do caos por parte dos golpistas.
Por isso, não há dúvidas que a vitória amarga de Baleia Rossi deve ser prioridade para os partidos de oposição. E o Psol pode adquirir um papel fundamental no destino do país.
Os dez votos de sua bancada federal podem ser decisivos para o desfecho da eleição parlamentar ainda no primeiro turno, diminuindo consideravelmente as chances do governo em reverter o cenário em um eventual segundo turno.
Se falta capacidade de articulação política ao planalto, sobram cargos e emendas.
E como a lealdade é um bem escasso nos corredores de Brasília, uma proposta mais generosa pode mudar o voto de muitos deputados.
Os debates internos do partido sobre a construção de uma candidatura própria no primeiro turno da eleição parlamentar são legítimos e devem ser respeitados.
Porém, cabe à cúpula do partido a responsabilidade em reconhecer as peculiaridades desta conjuntura e os desdobramentos que o aparelhamento do Congresso através da vitória de Lira pode representar para o futuro do país.
Diante desse cenário, o Psol não deve se furtar de seu compromisso histórico com a democracia e a defesa intransigente de direitos e contribuir para a definição desta eleição ainda em primeiro turno.
Se não é possível viabilizar uma candidatura legitimamente oposicionista para um enfrentamento contundente das políticas de destruição de direitos, que ao menos salvemos a vida de inúmeros jovens nas periferias de todo o país.
*João Maciel é Cientista Social, mestrando em Ciência Política pelo Programa de Pós-graduação da UNESP Araraquara e redator publicitário.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.
Não é mistério que os PSOLlistas irão votar SECRETAMENTE no baleia, apesar de terem lhe rejeitado apoio público.