Helena Wajnman*
O que o Brasil deve esperar do profissional público do futuro? Na esteira do Concurso Público Nacional Unificado, que movimentou o país com mais de dois milhões de inscrições confirmadas, devemos nos fazer essa pergunta. Não serão apenas os novos ingressantes que serão nossos servidores do futuro, mas também todos aqueles que já ocupam suas posições no setor. Assim, essa pergunta já poderia nos ter sido feita há muito tempo, mas vale especialmente se debruçar sobre ela agora, dada a entrada mais numerosa em muito tempo.
Dos postulantes a vagas no serviço público, esperamos que tenham espírito público e que sejam vocacionados para a função pública. Que não olhem para o serviço público como um trabalho do qual ninguém nunca será demitido, mas que se sintam agentes de transformação, parte de um grupo de quase 12 milhões de pessoas (entre servidores federais, estaduais e municipais) que trabalham para servir um público de mais de 200 milhões (entre os quais eles também se incluem). Esperamos que não olhem para o serviço público como um emprego que tem apenas a estabilidade a oferecer, mas como um posto que demanda energia e vontade de mudança.
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E já que estamos falando de futuro, esperamos que tenham e desenvolvam constantemente habilidades como criatividade, pensamento crítico, liderança, adaptabilidade e capacidade de aprender muito, sempre, rápido e de fazer conexões entre conhecimentos distintos.
Oitenta por cento das crianças e adolescentes brasileiras estudam em escolas públicas. Setenta e quatro porcento de nós dependem única e exclusivamente de serviços públicos de saúde. Os outros 26% também utilizam seus serviços de forma indireta ou eventual. O desenvolvimento do Brasil, com redução de suas amplas desigualdades, não ocorrerá por outro caminho que não passe pelo serviço público. Nossos servidores públicos precisam reconhecer o desafio, respeitá-lo e batalhar para enfrentá-lo.
De outro lado, da parte do governo, espera-se uma gestão adequada daquilo que é o seu maior ativo, as pessoas. As carreiras precisam ser reformadas de forma a permitir maior mobilidade em resposta à dinamicidade das novas gerações e à crescente obsolescência de postos em função do uso de tecnologias. As desigualdades entre carreiras precisam ser reduzidas (hoje há diversos exemplos de pessoas em funções semelhantes com remunerações muito distintas). As remunerações acima do teto constitucional devem ser banidas.
Um modelo efetivo de gestão de desempenho nas carreiras precisa ser colocado em prática, de forma a reconhecer desempenhos excepcionais, punir desempenhos aquém do esperado e promover melhores incentivos para que os primeiros assumam posições de liderança. A diversidade brasileira deve ser valorizada também em nossa burocracia, uma vez que as pessoas não são neutras, mas partem de seus contextos e visão de mundo, nas atividades de desenho, implementação e monitoramento de políticas públicas.
Os concursos públicos, principal porta de entrada para o setor público no Brasil, também têm espaço para melhorias. Houve avanços na implementação do concurso unificado, com destaque para o maior potencial de representatividade regional no governo federal. Mas ainda é preciso discutir como medir competências que não podem ser capturadas por uma prova objetiva (como a vocação pública ou a desenvoltura em sala de aula, no caso de professores, por exemplo), sem ferir o princípio da impessoalidade no serviço público.
Que a entrada de 6.640 profissionais públicos que se aproxima seja uma oportunidade para vermos florescer profissionais dotados de espírito público e que o governo aproveite o momento para promover as reformas necessárias para vermos isso acontecer.
*Diretora-executiva da República.org
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