Felipe de Carvalho* e Pedro Villardi**
Mais de dois meses se passaram desde que a Lei da Licença (Lei 14.200) foi criada para melhorar a eficácia do Estado brasileiro diante das crises de acesso a tratamentos, vacinas e diagnósticos para a Covid-19. Lamentavelmente sem nenhum efeito, até hoje. Essa demora evidencia duas situações graves. A primeira, que o Executivo está descumprindo a lei, pois, fosse obedecida, uma listagem de produtos essenciais e suas respectivas patentes deveria ter sido preparada e analisada em outubro.
Com base nessa lista, o licenciamento compulsório das patentes e pedidos de patentes de alguns desses produtos poderia ser agilizado no Brasil, facilitando a importação ou a produção de versões genéricas ou biossimilares, o que garantiria maior sustentabilidade no enfrentamento dessa doença tão imprevisível.
A segunda evidência é de que o Congresso Nacional tem sido conivente com a negligência do Executivo. A lei foi sancionada, com vetos, no último dia 2 de setembro. Na ocasião, diversos parlamentares se comprometeram em derrubar os vetos, porque sem eles a lei teria mais condições de garantir acesso amplificado a vacinas e tratamentos para a população.
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Por isto o tema (veto 48) entrou como prioridade na sessão especial do Congresso, marcada no dia 30 daquele mês. No entanto, essa sessão foi desmarcada e o Congresso ainda não retomou a essa pauta tão urgente.
Não faltam motivos para se considerar a licença compulsória uma prioridade nacional. Só nesse período em que a nova lei está guardada na gaveta, entre o começo de setembro e o início de novembro, foram cerca de 985 mil novos casos registrados no país e mais de 26 mil novas mortes. Além disso, foi anunciado um acordo internacional para oferta de genéricos do medicamento Molnupiravir, um antiviral para tratamento inicial da doença, já aprovado para uso no Reino Unido.
PublicidadeO Brasil, no entanto, está entre os países proibidos de comprar os genéricos. A opção será pagar altos preços para adquirir o tratamento, estimado em R$ 4 mil por pessoa, a ser comercializado com exclusividade pela empresa Merck, por causa de patentes. A melhor alternativa para o Brasil superar essa injustiça é o uso efetivo da lei 14.200, sem os vetos colocados pelo governo. O mesmo se aplica para outros tratamentos promissores, como o comprimido da empresa Pfizer que aguarda aprovação para uso.
Opinião pública e parlamentares têm sido confundidos por representantes da indústria farmacêutica internacional, que alegam que não ser possível aplicar a nova lei, pois não existem patentes depositadas no Brasil para vacinas e medicamentos de Covid-19. Essa afirmação é totalmente falsa. Fazemos questão de refutá-la e esperamos que isso sirva de contribuição para que o governo inicie o processo de elaboração da lista de patentes e pedidos de patentes que precisam ser suspensas urgentemente.
Listamos aqui patentes de apenas três patentes depositadas no Brasil, o Molnupiravir: PI112017013858, PI112020010581, PI112020018209; a vacina da Moderna: PI112014 007852, PI1120160246446, PI112013007862; e a vacina da Janssen: PI0015846, PI0409895, PI112016005761, PI112012019023.
Não existem desculpas para adiar a suspensão de patentes sobre produtos essenciais de saúde. Os investimentos das farmacêuticas em inovação já foram recuperados. As vidas que seguem sendo perdidas por causa da exclusão do acesso a vacinas e medicamentos nunca serão. Executivo e legislativo têm que agir agora.
* Felipe Carvalho é coordenador da Campanha de Acesso a Medicamentos de Médicos Sem Fronteiras (MSF Brasil) e integrante do GTPI (Grupo de Trabalho em Propriedade Intelectual). Jornalista, é mestre em Economia Política Internacional,
**Pedro Villardi é coordenador do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI) e de Projetos da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (Abia). Doutor em Saúde Coletiva no Instituto de Medicina Social (IMS/UERJ), com período “sanduíche” na École de Hautes Études en Science Sociales (Paris).
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