Gabriel Lepletier e Luisa Di Domenico*
O cenário educacional brasileiro tem sido palco de uma discussão cada vez mais intensa e polarizada, especialmente quando o tópico em questão é a formação inicial de professores. De um lado, encontramos aqueles que são contrários à ideia de formar docentes à distância das salas de aula da universidades brasileiras por entenderem que a presença é fator determinante para a formação de professores, enquanto, do outro, argumenta-se que o Ensino à Distância (EaD) representa uma oportunidade essencial para a formação de licenciados, proporcionando o acesso a um número significativamente maior de brasileiros através do uso das tecnologias.
Contudo, essa polarização acaba por prejudicar o debate, uma vez que a aceitação de uma posição implica, supostamente, na rejeição da outra, o que torna a discussão superficial e pouco produtiva. No entanto, o debate educacional que deveria ser reflexivo, democrático e baseado em análises de dados reais, torna-se um embate de ideias onde se luta por supremacia retórica e não pela melhoria da formação de professores.
Dando um passo atrás, é importante refletir e compreender o real impacto na formação inicial de professores para a Educação de brasileiros e brasileiras em idade escolar: pesquisas indicam que professores são o fator intraescolar que mais impacta na aprendizagem dos alunos (OCDE, 2018; Darling-Hammond, 2019; Hargreaves; Fullan, 2015). Não limitando-se, apenas, a impactar a aprendizagem dos alunos, professores são também os principais implementadores das políticas públicas formuladas para gerar impacto nas salas de aula.
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Em levantamento de dados feito pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (INEP) (2022), constatou-se que, no ano de 2022, 64% de todos os futuros professores estão matriculados em formação EaD. Não somente, cerca de 81% das matrículas em licenciaturas em 2022 foram, também, em cursos à distância. Nota-se, assim, uma crescente demanda dos universitários pela formação online, refletindo a realidade do acesso à educação superior em nosso país.
Além disso, ainda de acordo com o Censo da Educação Superior, quase 20% de todas as matrículas em cursos de graduação no Brasil são na área de Educação, o que destaca a importância de colocar a lupa na formação inicial de professores. Notavelmente, a maioria dos professores do país são contratados pelas redes públicas de ensino, ressaltando a relevância de uma formação sólida para atender às demandas educacionais brasileiras.
Por isso, faz-se extremamente necessário reconhecer a importância do papel do professor no desenvolvimento dos processos formativos dos indivíduos e refletir sobre os dados do atual contexto da formação inicial de docentes, uma vez que estes são os atores que vão lidar com os desafios da sociedade brasileira, considerando as demandas de seus alunos, contextos sociais e econômicos variados, além buscar atender às reais necessidades das escolas frente à era digital, sem que se perca de vista as metas estabelecidas para a educação nacional.
No entanto, a verdadeira discussão não é sobre EaD versus ensino presencial, mas sim sobre os critérios de qualidade que os cursos de licenciatura devem atender, independentemente de sua modalidade. É necessário garantir que esses cursos sejam capazes de formar professores aptos a enfrentar os desafios cotidianos das salas de aula brasileiras.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei no. 9.394/1996) demonstra que os modelos de ensino se complementam: em alteração recente da lei, outorgou-se ao Estado o dever de garantir a educação digital de modo com que sejam desenvolvidas nas pessoas em idade escolar as competências necessárias para o exercício da cidadania digital (art. 4o, XII).
Não somente, a lei em tela prevê a necessidade de estabelecer as relações entre ensino e aprendizagem a partir do uso de ferramentas e recursos digitais, ao evidenciar que estes fortalecem “os papéis de docência e aprendizagem do professor e do aluno” (art. 4o, parágrafo único), propiciando a criação de espaços coletivos para que ambos possam constantemente se desenvolver.
Ao constatar a recente intenção legislativa de assumir a importância do uso das tecnologias para a concretização dos objetivos da educação brasileira, não há que se negar o seu importante papel complementar no cenário educacional atual. Ainda neste ponto, quando é abordada, especificamente, a formação inicial docente, ressalta-se o previsto no § 3º do artigo 62:
- 3º A formação inicial de profissionais de magistério dará preferência ao ensino presencial, subsidiariamente fazendo uso de recursos e tecnologias de educação a distância.
O parágrafo acima não traz insumos para polarizar o debate, mas ressalta a importância do caráter da presencialidade para a formação docente, sem que este exclua a possibilidade do uso de recursos e tecnologias da educação à distância. A intenção de buscar a complementação entre o digital e o presencial é a forma de atingir as premissas básicas necessárias para a garantia da abrangência e complexidade que a discussão sobre o tema deve ter.
Enquanto sociedade, a discussão não deve se limitar à presença física dos alunos na universidade, mas deve contemplar a importância da presença efetiva no cotidiano escolar das unidades de educação básica. Devemos lembrar que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional estabelece que a formação inicial de professores será preferencialmente realizada em cursos presenciais, indicando que a presencialidade é fundamental. No entanto, isso não exclui a possibilidade de modelos híbridos e à distância, desde que estes atendam às necessidades reais dos futuros docentes. É a qualidade dos cursos, e não a presencialidade, que deve pautar o debate.
Essencial é garantir que os futuros professores possuam um sólido conhecimento pedagógico do conteúdo que irão ensinar. A complexidade da profissão docente, como abordada na tese da professora e pesquisadora de Stanford Janet Carlson, deve ser compreendida e explorada durante a formação inicial e constantemente desenvolvida na formação continuada. Assim como constatado por Gatti (2019), a presença nas escolas de educação básica, a realização de estágios de observação propositivos e a análise dos desafios enfrentados durante esses estágios devem ser partes essenciais do processo de formação, se bem orientadas e avaliadas.
A importância da vivência do chão de escola na formação inicial dos professores é uma via de mão dupla: licenciandos experimentam o cotidiano escolar, identificando os atuais dilemas, e oxigenam a aprendizagem no âmbito das universidades. As escolas são também beneficiadas, uma vez que futuros docentes contribuem para o ambiente escolar com novas visões e saberes, fomentando a reflexão sobre a prática de todos os envolvidos.
São muitas as esferas, perspectivas e caminhos que perpassam a discussão do que seria uma formação inicial de qualidade. Este artigo se propôs a pincelar aspectos da problemática que devem ser notados pelo debate público. Atores como Ministério da Educação, Conselho Nacional de Educação, INEP e CAPES, além de universidades públicas e privadas, associações sindicais e organizações do terceiro setor têm protagonizado o debate demonstrando a preocupação com a qualidade da formação inicial, sendo notado em algumas falas públicas a tão perniciosa polarização.
Os dados não devem ser encarados como subsídio para dificultar o acesso ao ensino superior. O fato é que o EaD tem permitido o acesso à educação para aqueles que têm impeditivos de frequentar o ensino presencial, seja por questões econômicas, geográficas ou de configuração familiar. É latente que os dados se tornem aliados na promoção de um debate demcrático que vise a busca por uma Educação de qualidade e pela promoção de uma carreira docente digna e respeitada.
A discussão sobre a formação inicial de professores no Brasil certamente enfrenta muitos desafios que vão além da polarização entre EaD e ensino presencial e deve, urgentemente, se concentrar na garantia de critérios de qualidade que objetivem a formação de professores competentes, autônomos e comprometidos com os desafios da Educação no país.
*Gabriel Lepletier é Cientista Político e Profissional de Relações Governamentais; Luisa Di Domenico é Advogada e licencianda em pedagogia
Fontes
BRASIL. Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996.
DARLING-HAMMOND, L.; BRANSFORD, J. Preparando os professores para um mundo em transformação: o que devem aprender e estar aptos a fazer. Porto Alegre: Penso Editora, 2019.
GATTI, B. A. et al. Professores do Brasil: novos cenários de formação – Brasília: UNESCO, 2019. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000367919. Acesso em 22 nov. 2022.
HARGREAVES, A.; FULLAN, M.. Professional capital: Transforming teaching in every school. New York: Teachers College Press, 2015.
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Censo da Educação Superior 2022: divulgação de resultados. Brasília, DF: Inep, 2023.
OCDE. TALIS 2018 Results. v. III.
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Source:
– https://www.lebanonnews.net/newsr/15853
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