Victor Missiato*
Um dos principais mitos fundadores da modernidade é a revolução. Sua origem advém do latim revolutio, que significa, basicamente, o ato de dar voltas. Antigamente, revolução era um termo utilizado para designar o movimento circular de astros no universo. Ordem, previsibilidade e simetria, portanto, compunham a interpretação do termo revolução em tempos pré-revolucionários. Tudo começou a mudar quando um novo tempo histórico se formou no continente europeu. De acordo com o historiador alemão Reinhart Koselleck, em sua célebre obra Futuro Passado – Contribuição à semântica dos tempos históricos, esse novo tempo histórico (modernidade) procurou romper a dimensão do futuro em relação ao passado. Romper a ordem, viver o imprevisível e destituir as simetrias hierárquicas dos poderes nobiliárquicos passou a compor a nova interpretação do conceito de revolução.
Desde os séculos XVII e XVIII, diversas foram as revoluções sociais que procuraram criar seus símbolos revolucionários. Muitas vezes se apropriando de rituais religiosos, as revoluções modernas construíram suas bases por meio dos escombros das instituições destruídas, tomando aqui a expressão utilizada pelo pensador francês Alexis de Tocqueville, em Antigo Regime e Revolução. Foi através dessa visão de mundo, que os mitos fundadores da revolução foram criados. No processo de formação da América, o mito revolucionário também foi estabelecido enquanto tempo fundador do “novo” continente. Nos EUA, os chamados founding fathers até hoje são encarados como a base identitária da nação. No México, a Revolução de 1910 é vista, por muitos, como a porta de entrada à modernidade social latino-americana no século XX.
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Provavelmente, o último grande mito revolucionário latino-americano tenha sido a Revolução Cubana, ocorrida em 1959. Inicialmente uma revolução liberal e nacionalista, a experiência cubana se transformou em uma revolução socialista entre os anos 1961-62. Pregando o surgimento de um “novo homem”, Fidel Castro e seus companheiros abalaram o tempo histórico ao saírem de Sierra Maestra e propor uma refundação da identidade cubana e latino-americana. Um homem guerrilheiro, militante, radical nas ações, reacionário nos costumes, violento contra o inimigo e fiel a sua causa.
Desde a sua eclosão, o mito cubano se espraiou pelo continente, arregimentando diversos movimentos em favor da libertação nacional e imperialista. Libertar-se para o comunismo cubano nunca significou liberdade individual. A liberdade para Fidel Castro significa desprender-se das causas individuais em nome do coletivo, do partido, da pátria. Em 1968, quando diversas bandeiras eram hasteadas mundo afora em favor dos direitos de ser humano, a partir de uma multiplicidade do que significa ser humano, a Cuba comunista institucionalizava a repressão violenta contra qualquer orientação sexual não condizente com seus preceitos revolucionários. Desde o início, quando qualquer voz opositora ao regime apontasse qualquer tipo de desvio, a repressão vinha por meio de expurgos, prisões e assassinatos. Portanto, não é de se estranhar que as manifestações do último domingo tenham sido tratadas como “contrarrevolucionárias” a mando de interesses norte-americanos, embora os vídeos divulgados na internet retratem uma população carente e consciente de suas necessidades e vontades.
Como uma das primeiras medidas para amortecer o impacto dos movimentos sociais, o regime cubano, um dia após as manifestações, derrubou a internet em todo o país. Para além dessas primeiras medidas autoritárias, o dilema que estará posto a partir de agora será o seguinte: conseguirá o regime cubano arrefecer novamente a rebeldia de seu próprio povo contra o seu sistema, inspirando-se no comunismo chinês enquanto controle social com liberdade de mercado, ou haverá uma implosão do comunismo enquanto regime político na ilha caribenha?
*Victor Missiato é doutor em História, professor de História do Colégio Presbiteriano Mackenzie Brasília. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Psicossociais sobre o Desenvolvimento Humano (Mackenzie/Brasília) e Intelectuais e Política nas Américas (Unesp/Franca).
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