Uriã Fancelli*
Uma minoria organizada possui mais poder do que uma maioria desorganizada. É esse um dos conceitos defendidos pelo cientista político Adriano Gianturco em seu livro “A Ciência da Política”. Para ilustrar a afirmação, Gianturco usa como exemplo um estádio de futebol, no qual 200 policiais, treinados, devidamente equipados e adotando uma única estratégia conseguem controlar uma multidão de milhares de pessoas.
Se existe algo que pudemos observar nas manifestações de 7 de setembro, foi justamente a capacidade dos bolsonaristas de se organizarem, em um momento no qual a rejeição ao presidente, de acordo com dados do Atlas Político, alcança um recorde de até 61%. Apenas 24% dos entrevistados consideram o governo bom ou ótimo.
Nas manifestações de 12 de setembro vimos algo ainda mais perturbador para quem defende uma terceira via: uma minoria desorganizada. Isso não quer dizer que a maior parte dos brasileiros deseja a reeleição de Jair Bolsonaro, pelo contrário! Diversas pesquisas têm demonstrado que o presidente deverá perder em todos os possíveis cenários no segundo turno. O que faltou no dia 12 foi uma organização em torno de uma agenda única, além da adesão de grupos para os quais o impeachment de Bolsonaro não seria interessante.
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Há alguns meses, quando MBL, Vem Pra Rua e Livres começaram a organizar as manifestações do último domingo, inicialmente a ideia era defender a bandeira “Nem Lula, Nem Bolsonaro”, que somente nos últimos dias foi convertida em “Fora Bolsonaro!”. Isso deu, aos partidos e movimentos de esquerda como o PT e CUT, um pretexto para recusarem a adesão, já que o bloqueio da candidatura de Bolsonaro enfraqueceria Lula em 2022.
Se por um lado o PT não quer manifestar ao lado de movimentos que foram favoráveis ao impeachment de Dilma Rousseff, por outro, o sentimento é recíproco. De acordo com uma pesquisa realizada no dia 12 pela USP entre os manifestantes na Avenida Paulista, quase 40% dos 841 entrevistados também não aceitariam manifestar junto ao PT. Além disso, MBL e o Vem Pra Rua também já confirmaram que não irão participar das manifestações do dia 2 de outubro, organizadas pela esquerda. Já o Livres, movimento político suprapartidário que defende o liberalismo, poderá aderi-las.
Os organizadores dos protestos de 12/09 já perceberam a necessidade de um maior alinhamento de suas pautas e discursos. Há, no entanto, dois obstáculos que dificultam uma convergência de posições.
O primeiro, é a resistência desses grupos em criar uma aliança com partidos de esquerda, o que poderia ser interpretado como uma falta de consciência, sobre a real importância de uma união democrática de grupos antagônicos, e que teoricamente teriam o mesmo objetivo: a saída do Presidente.
O segundo, está justamente no fato de que a saída de Bolsonaro da corrida eleitoral dificultaria o retorno de Lula ao poder. O PT já está há quase 6 anos fora do poder, e para os petistas, aguardar mais um ano parece ser aceitável. É quase como se o PT fizesse uma oposição de fachada. Ao olharmos as imagens dos protestos da esquerda do último dia 7, é possível perceber que os cartazes e bandeiras não pediam o impeachment do Presidente, mas defendiam um mero “Fora Bolsonaro” (que poderia ser em 2022) e ao mesmo tempo que promoviam a CUT, MTST e o PT.
O grande desafio para os defensores da terceira via, ou como costumo chamá-la, a “via não-populista”, será encontrar uma forma melhor de organização, de modo que se torne uma (crescente) minoria organizada. Será necessário que esses partidos e movimentos entendam que o momento de projetarem seus candidatos a 2022 não é durante essas manifestações, pois isso ajuda a fragmentar e tira o foco da pauta central, que deveria ser o impeachment do presidente da República.
A democracia é um constante processo de amadurecimento, e mesmo que a movimentação de 12/09 não tenha saído como esperada, ela foi apenas a primeira e deverá ter seu discurso ajustado. Contudo, será isso o suficiente para evitar uma baixa adesão na nova manifestação que já é discutida para o dia 15 de novembro?
É verdade que em um momento no qual o Executivo ataca as instituições democráticas, não devemos considerar apenas quantas quadras da Av. Paulista são ocupadas, mas que diferentemente de 2018, há crescentes sinais, mesmo que vindo de uma minoria desorganizada, de uma busca pelo fim da polarização e desta dualidade nefasta que nos deixa aprisionados. Porém, se o objetivo principal for a punição de um Presidente que sabota a própria democracia que o elegeu, pouco será alcançado sem uma frente ampla focada e unificada. É preciso organizar a maioria.
*Uriã Fancelli é autor do livro “Populismo e Negacionismo”, que durante várias semanas ocupou o topo do ranking dos livros mais vendidos de Política na Amazon. Mestre em European Studies and Culture pela Universidade de Groningen (Países Baixos) e Universidade de Estrasburgo (França). Participou das Reuniões Anuais do Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial em Washington e trabalhou na Seção Política da Delegação da União Europeia no Brasil, na qual realizou pesquisas sobre questões políticas atuais.
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