Por Gabriel Borges* e Leonardo Discacciati**
Diversos vetos presidenciais aguardam deliberação do Congresso Nacional e são acompanhados com cautela pelo Poder Executivo. Isso porque caso algum veto seja derrubado, isso irá impactar diretamente nas contas do governo, que de acordo com o Tesouro Nacional teve em maio um déficit de R$ 126,6 bilhões, o pior resultado desde 1997. Além disso, há um impasse entre parlamentares sobre o formato de deliberação proposto pelo presidente do Senado Federal para a realização de sessão deliberativa do Congresso Nacional via sistema de deliberação remota, e explicamos a seguir o porquê.
Os vetos são a discordância do presidente da República com determinado projeto de lei aprovado pelas Casas Legislativas do Congresso Nacional. A previsão encontra-se prevista na Constituição Federal em seu artigo 66 e parágrafos, combinado com o regramento interno no Regimento Comum do Congresso Nacional nos artigos 104 a 106-D da Resolução nº 1 do Congresso Nacional.
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O veto é político, quando a matéria é considerada contrária ao interesse público; jurídico, se entendida como inconstitucional; ou por ambos os motivos – inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público. Quanto à abrangência, pode ser total ou parcial, sendo que neste último caso deve recair sobre texto integral de artigo, parágrafo, inciso ou alínea (art. 66, §1º e §2º, da CF). Ou seja, palavras ou períodos não são passíveis de veto.
A oposição do veto acontece durante o prazo de quinze dias úteis após o recebimento da matéria pelo Presidente da República. Não havendo manifestação do Executivo nesse período, o projeto de lei é considerado sancionado. Sendo assim, enquanto o veto é expresso, a sanção pode ser tácita (art. 66, §3º, da CF).
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Após a publicação de veto no Diário Oficial da União, a presidência da República encaminha mensagem ao Congresso, em até 48 horas, especificando suas razões e argumentos. Logo, o veto deve ser sempre motivado (art. 66, §1º, CF).
A protocolização da mensagem na Secretaria Legislativa do Congresso Nacional dá início a contagem do prazo constitucional de 30 dias corridos para deliberação do veto pelos deputados e senadores em sessão conjunta (arts. 57, § 3º, IV, e 66, da CF).
Nos termos regimentais, publicados os avulsos, a matéria está pronta para deliberação do Plenário. Decorrido o prazo de 30 dias sem deliberação, é incluída na ordem do dia e passa a sobrestar as demais deliberações até a votação final do veto (art. 66, §6º, da CF).
A convocação de sessão conjunta é prerrogativa do presidente do Senado Federal, que dirige a Mesa do Congresso (art. 57, §5º CF). Para a apreciação de veto, o Regimento Comum fixa como data de convocação de sessão a terceira terça-feira de cada mês, impreterivelmente. Em não ocorrendo nesta data por qualquer motivo, a sessão conjunta é convocada para a terça-feira seguinte (art. 106, §§1º e 2º, do RCCN).
A discussão dos vetos é feita em globo, concedendo-se cinco minutos aos oradores inscritos para esse fim. O processo de votação pode se iniciar após a discussão de seis deputados e quatro senadores (art. 106-A, § 2º, do RCCN).
Para a rejeição do veto é necessária a maioria absoluta dos votos de Deputados e Senadores, ou seja, 257 votos de deputados e 41 votos de senadores, computados separadamente. Registrada uma quantidade inferior de votos pela rejeição em umas das Casas, o veto é mantido (art. 66, § 4º, CF e art. 43 do RCCN).
A votação de vetos é ostensiva e nominal, por meio de cédula eletrônica de votação, a eCedula, podendo haver destaque para deliberação em painel eletrônico (arts. 46, 106-B e 106-D do RCCN). Os requerimentos de destaques são para dispositivos individuais ou conexos. Esses requerimentos não dependem de deliberação do plenário e são propostos pelo líder do partido, observando-se a proporcionalidade regimental (art. 106-D do RCCN).
Na votação por meio da eCedula ou por painel eletrônico a apuração dos votos começa pela Câmara dos Deputados, salvo se o projeto de lei vetado for de iniciativa do Senado – aí a primazia se inverte. Os votos da outra Casa somente são apurados se o veto for rejeitado na primeira (art. 66, § 4º, CF e arts. 43 e 106-B do RCCN). Para a votação por meio da eCedula, haverá orientação dos líderes às suas bancadas pelo prazo de um minuto. Se pelo painel eletrônico, além dessa orientação, haverá encaminhamento pelo prazo de cinco minutos, por dois senadores e dois deputados.
A votação por meio da eCedula foi um avanço estabelecido pela Resolução nº 1, de 2015-CN, que, em obediência aos preceitos constitucionais relativos ao princípio da eficiência e do devido processo legal, ofereceu celeridade ao processo legislativo dos vetos, de forma ainda mais transparente e segura.
Caso o veto seja rejeitado, as partes correspondentes do projeto apreciado são encaminhadas à promulgação pelo presidente da República em até 48 horas ou, na omissão deste, pelo presidente ou vice-presidente do Senado, em igual prazo (art. 66, §7º, CF). O mesmo procedimento prevalece quando, após a sanção, a promulgação da lei não é feita pelo presidente da República.
Traçadas em linhas gerais a forma pela qual se dá o processo de apreciação, pelo Congresso Nacional, dos vetos presidenciais, é importante analisar, então, quais as expectativas e propostas existentes até o momento para deliberação durante o acionamento do Sistema de Deliberação Remota na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
A pandemia gerada pela transmissão do novo coronavírus alterou, durante o período de isolamento social, o tradicional formato de deliberação de ambas as Casas Legislativas, considerando a impossibilidade da presença física em Plenário dos deputados e senadores. Assim, a apreciação dos vetos pela eCedula, da forma em que ocorria anteriormente – com o preenchimento individualizado por cada parlamentar, que assinava a cédula e a depositava em uma urna física colocada no Plenário – tornou-se impossibilitada.
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Agora, a discussão que se faz no Congresso é em torno de qual o formato a se adotar para viabilizar a deliberação dos vetos durante o acionamento do sistema de deliberação remota, o qual permite ao parlamentar a participação nas sessões deliberativas, inclusive com manifestação de palavras e votos, de forma virtual.
Uma das possibilidades debatidas é a votação nominal, mas em globo, de todos os vetos constantes da pauta, isto é, de todos aqueles que já passaram a sobrestar as sessões do Congresso Nacional em virtude do transcurso do prazo de 30 dias para apreciação, ressalvados os destaques apresentados pelos líderes partidários. Nessa hipótese, o parlamentar votaria “sim” uma única vez para manter todos os vetos em apreciação ou registraria o voto “não”, também em uma única oportunidade, caso o interesse seja pela derrubada de todos os itens em análise.
Após essa votação em globo, passar-se-ia à deliberação, um a um, dos destaques apresentados, os quais também se dariam pelo processo nominal. No caso dos destaques, há ainda a peculiaridade de que, nos termos do § 2º do art. 106-D do Regimento Comum do Congresso Nacional, caso sejam apresentados dois ou mais requerimentos para o mesmo veto, ainda que sobre dispositivos diferentes, serão todos votados em uma única oportunidade, de modo que o voto do parlamentar será para manter ou para derrubar todos os subitens conjuntamente.
Ocorre que tal proposta possui alguns pontos que podem vir a ser objeto de questionamento por parte dos deputados e senadores. Isso porque, ao vincular a apreciação de todos os vetos em uma única votação, mesmo considerando a ressalva quanto aos destaques, o parlamentar não poderá se manifestar de forma individual para cada dispositivo vetado pelo presidente da República.
A restrição do direito constitucional do parlamentar de conhecer cada veto e sobre ele deliberar não é um caminho simples de se percorrer, pois poderá gerar consequências incalculáveis do ponto de vista político. O deputado e o senador deverão fazer uma análise de conveniência, de modo que, caso opte por derrubar determinado veto, acabará derrubando de forma reflexa todos os demais, ainda que de forma contrária ao seu legítimo interesse.
Ao fim e ao cabo, essa modalidade de apreciação dos vetos acabará por restringir as prerrogativas dos deputados e senadores e, em última análise, o próprio exercício do mandato parlamentar. E ainda que se mantenha a votação separada dos destaques, tais proposições não têm o condão de assegurar individualmente a cada parlamentar o direito de se manifestar sobre cada veto, pois esses requerimentos somente podem ser apresentados pelos líderes partidários (art. 106-D do Regimento Comum do Congresso Nacional).
Dessa forma, considerando que o cenário político, mesmo no âmbito de uma mesma agremiação partidária, é por muitas das vezes complexo e sem consenso unânime, o deputado e o senador deve ter mecanismos para que sua vontade, ainda que individualmente considerada, possa ser registrada.
Enfim, a tormentosa decisão que o Congresso Nacional tomará nas próximas semanas pode não ser a ideal, porquanto exigirá uma resposta rápida e eficaz para as dezenas de vetos que já se acumulam na pauta das sessões conjuntas. Entretanto, será, sem dúvida, necessária, ao passo que responderá à sociedade qual o caminho será adotado pelos seus representantes eleitos na conclusão do processo de elaboração das leis durante a pandemia.
Em qualquer caso, seja qual for o método escolhido para a apreciação dos vetos presidenciais, o que os deputados e os senadores não podem olvidar é que a nova forma de deliberação será um procedimento excepcional, e que, como tal, deve ter sua validade restrita apenas para tempos também excepcionais.
*Gabriel Borges é consultor de assuntos legislativos da BMJ Consultores Associados e mestrando em Poder Legislativo pelo CEFOR/CD.
**Leonardo Discacciati é assessor de processo legislativo de liderança partidária na Câmara dos Deputados e especialista em Direito Constitucional.
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