Talvez um dos poucos consensos no Brasil é que vivemos em um país com inúmeros problemas a serem resolvidos.
No momento, vivemos a maior pandemia da nossa história e o desempenho do país tem sido o pior possível. Já ultrapassamos o terrível número de quinhentas mil vidas perdidas. Falhamos tanto na tentativa de controle, em 2020, quanto na busca da imunização em 2021, especialmente por negligência do governo Bolsonaro.
Além da pandemia, temos problemas na nossa segurança pública, com altos números de homicídios (acima de quarenta mil por ano) e baixos índices de resolução desses casos (menos de 8%). Temos problemas graves no nosso sistema educacional; estes só recebem um suspiro de atenção quando são revelados os dados do PISA, mas tais mazelas são vividas diariamente pelas nossas crianças. Temos problemas no nosso sistema tributário; somos o país em que as empresas mais despendem tempo para calcular e pagar impostos.
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Além dos problemas do presente, temos ainda problemas do passado que vêm se arrastando na nossa história, legados das ditaduras, do período colonial e escravocrata, assim como teremos problemas no futuro, como questões ambientais e previdenciárias.
Poderia seguir enumerando e trazendo dados de todos os problemas que ceifam vidas ou atravancam o desenvolvimento do país. Pela magnitude desses temas, evidências que os comprovam e o número de pessoas que atingem, é natural que estejam sempre em pauta, tanto na política, quanto nos noticiários.
Entretanto, nos últimos meses, um tema tem ocupado noticiários, a agenda de lideranças partidárias, assim como discursos políticos: o voto impresso. Se colocássemos esse tema junto aos demais listados, nos sentiríamos em uma daquelas provas nas quais crianças devem apontar o elemento que não faz parte de um grupo, geralmente exemplificados com uma série de frutas e uma bicicleta. E por que isso?
Bom, basicamente pelo fato de que todos estes problemas listados podem ser evidenciados por dados concreto, estudos de caso e outras formas de evidências. A discussão sobre o voto impresso, motivada por hipóteses nunca fundamentadas de fraudes eleitorais, não segue esse padrão. Não há nenhum indício de fraudes nas urnas; existem apenas denúncias sem fundamentos lançadas de forma proposital pelo presidente Jair Bolsonaro.
O que vemos aqui não é uma preocupação genuína a respeito da segurança do nosso sistema eleitoral ou a defesa das nossas instituições. Bolsonaro nunca se preocupou com elas. O que existe é o exercício do chamado “poder de agenda” por parte do presidente.
A literatura da ciência política se dedica a entender por que determinados temas merecem mais a atenção do que outros, e por que a atenção é dada naquele determinado momento. O que esta literatura aponta é que a capacidade de determinar quais são os reais problemas que merecem atenção do público é o puro exercício do poder em prol de determinado interesse:
“Na medida em que o grupo A é bem-sucedido, o grupo B é impedido, para todos os efeitos práticos, de trazer à cena pública quaisquer temas conflitivos cuja resolução possa ser significativamente prejudicial às preferências do grupo A¹.”
É exatamente isso que estamos vendo com essa discussão sobre o voto impresso. Não é um tema que surgiu após graves denúncias, indícios de fraude ou estudos que mostrassem a fragilidade das urnas, mas sim pelo interesse de Bolsonaro de que esse tema ofusque outros, como a CPI da pandemia, o número de mortos pela covid 19, atrasos na vacinação, suspeitas de corrupção e outros que assolam seu mandato.
Não se engane, a questão não é a defesa da causa em si, mas o barulho que esta gera e o poder de ofuscar temas que não são do interesse de Bolsonaro.
Referências
¹SANTOS, F. e BORGES, M. “Poder de Agenda”. ENAP, 2018.
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