Nos últimos meses voltou a ser veiculado na televisão de forma massiva a propaganda do Ministério da Educação (MEC) sobre o Novo Ensino Médio, que vai ser implementado nas escolas de forma gradativa a partir de 2022.
Essa propaganda apresenta a proposta de reforma do ensino médio como algo inovador, na qual os alunos vão poder escolher qual área do conhecimento eles querem aprofundar os seus estudos, tendo como opção também uma formação “profissional e tecnológica”. Diz ainda, que tal modelo vai prepará-los não só para o mundo do trabalho, mas para o exercício pleno da cidadania. De acordo com a narrativa, a qualidade do ensino vai melhorar bastante no país.
A ideia de reformar o seguimento de ensino ganha força dentro do contexto da derrubada de um governo eleito democraticamente, com o impeachment da presidente Dilma Rousseff, onde se desenhou uma nova configuração política no país e, consequentemente, uma nova configuração dentro do Ministério da Educação.
Isso ocorreu durante os anos iniciais do processo de implementação do novo Plano Nacional da Educação – PNE (Lei 13.005/2014), aprovado em 2014 com uma vigência de 10 anos, onde foram determinadas as estratégias, metas e diretrizes que deveriam regular as políticas e ações na área da Educação no país até 2024.A lei nº13.415/2017, que estabelece Reforma do Ensino Médio foi elaborada sem a participação social, preceito democrático que deveria garantir o diálogo com as pessoas que serão diretamente atingidas por essas mudanças (profissionais da educação, professores, gestores escolares e alunos). Essa ação alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) para que a reforma fosse possível.
Dentre as principais mudanças que a reforma do ensino médio traz, vale destacar a ampliação da carga horária mínima e a concepção de uma nova conformação curricular, que podem variar de acordo com a possibilidade dos sistemas de ensino e com as escolhas dos estudantes a partir dos itinerários formativos, que são o conjunto de disciplinas/núcleos de estudo que os alunos poderão escolher. Os itinerários propostos são: Matemáticas e suas Tecnologias, Linguagens e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, além da formação técnica e profissional.
Segundo o MEC, as instituições de ensino terão autonomia para definir quais os itinerários formativos irão ofertar, ou seja, eles podem variar não só de acordo com os interesses dos estudantes, mas de acordo com o contexto no qual a escola está inserida. Dentro dessa nova configuração curricular, as únicas disciplinas que serão obrigatórias durante os três anos em que o aluno cursará o ensino médio serão Lingue Portuguesa, Matemática e Inglês.
Essa proposta parece tentadora para os alunos, porque dá a entender que eles terão mais liberdade de escolha em seus caminhos de estudo, mas na verdade é uma proposta que visa apenas uma preparação para o mercado de trabalho, com um viés bastante tecnicista. É um projeto que, ao invés de formar cidadãos críticos e criativos, com repertório de informações e conteúdo que lhes proporcione possibilidades mais amplas de escolhas, cidadãos que entendam o seu papel na sociedade, a importância do exercício da cidadania, da democracia e que entendam a importância de discutir e lutar pelos seus direitos, objetiva formar mão-de-obra que atenda ao mercado de trabalho.
Por um lado, trata-se de uma reforma muito conservadora onde estudante, sobretudo os das classes mais pobres, é visto apenas como um sujeito que visa o trabalho e não como um ser político que precisa de uma formação ampla que permita escolhas de vida. Por outro lado, precisa estar claro que, mais uma vez as classes que terão acesso ao setor privado ensino terão a oportunidade de maior aprofundamento do conhecimento, porque as escolas privadas não dependem diretamente do investimento do governo para produzir a infraestrutura necessária à implementação desse projeto.
Para que essa reforma seja feita de maneira igualitária entre as escolas públicas e privadas precisaria de investimento no ensino público para a garantia a oferta de todos os itinerários formativos em todas as escolas públicas. Em um cenário de vigência da Emenda Constitucional 95 (EC do teto de Gastos) que desde 2017 limita gastos e investimentos públicos na área social, onde a educação está incluída, não podemos esperar que os recursos físicos, materiais e humanos necessários à oferta de todas as matérias que comporão os diferentes itinerários formativos e ensino técnico, estejam disponíveis adequadamente. Além disso, todas as instituições de ensino deverão investir na formação dos docentes que irão atuar nesse novo arranjo curricular.
O Ministro da educação segue firme na ideia de que o futuro do trabalho para a maioria dos jovens está nas formações técnicas e profissionalizantes, ao afirmar em uma entrevista à TV Brasil (realizada na última segunda-feira) que a “universidade deveria, na verdade, ser para poucos, nesse sentido de ser útil à sociedade”. Para ele, as instituições que serão protagonistas do futuro são aquelas capazes que formar técnicos, já que estes terão lugar no mercado de trabalho.
Ao contrário da narrativa centrada na autonomia e na liberdade que a propaganda traz, a reforma em questão é um exemplo de retrocesso, que evidencia as desigualdades de acesso à educação. Ela limita o estudante a desenvolver o seu pensamento crítico em relação a sociedade e reduz as possibilidades de enxergar trajetórias de vida que tenham como perspectiva transformações pessoais e sociais. Esses “poucos” que terão acesso à universidade, certamente não serão os jovens das classes mais pobres.
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