As eleições majoritárias em dois turnos foram introduzidas, no Brasil, pela Constituição Federal de 1988. O primeiro objetivo era conferir ao vencedor mais legitimidade e força. O segundo, libertar o eleitor da pressão do chamado “voto útil”, permitindo que ele manifeste sua preferência por identidade com o candidato que julgue o melhor, independentemente das suas chances de vitória, e participe de uma correção de rumo na segunda rodada. Os profissionais de marketing político e de pesquisas de opinião dizem sempre que no primeiro turno se vota a favor, pela identificação, e no segundo, contra, pela rejeição.
A população tem as atenções na nova onda da pandemia, na inflação e no desemprego, não está preocupada com as eleições. Os números das pesquisas refletem, como virou lugar comum dizer, “uma fotografia do momento”. Até aqui são monólogos paralelos que não interagem. Campanha é pra mudar os números. Há registros de vitórias espetaculares e inesperadas. Tudo pode acontecer, inclusive nada.
Fato é que a eleição presidencial de 2022 está balizada por duas lideranças fortes, enraizadas, representativas de dois polos extremos do espectro político e ideológico, orgânicas e que têm pisos de intenção de voto muito altos. O que deveriam fazer Moro, Ciro, Doria ou Simone Tebet? Jogar a toalha? Sequestrar do eleitor a possibilidade de manifestar suas divergências com os dois líderes das pesquisas? Se o primeiro turno é regido pelo império das identidades, cabe perguntar: qual nosso nível de identificação com Bolsonaro ou Lula?
Bolsonaro representa, na era das redes sociais, a tradição de uma direita conservadora e autoritária presente em vários momentos da história brasileira em figuras como Plínio Salgado, Carlos Lacerda, Jânio, Collor e as lideranças do período militar. Dispõe de um significativo exército digital e desperta paixões até irracionais em sua bolha. Não representará mais novidade em 2022. Terá que defender seu governo. Não terá a bandeira anticorrupção empunhada por Moro e nem a agenda liberal de Paulo Guedes, que ficou só no discurso.
Por outro lado, Lula continua o bom e velho líder se equilibrando entre os setores mais moderados da esquerda e aqueles que ainda são prisioneiros de um anacrônico paradigma revolucionário. Um olho pisca para Geraldo Alckmin como vice, o outro sacrifica o compromisso com a democracia com acenos de simpatia a Cuba, Venezuela e Nicarágua. Resta um mar de ambiguidades. Resvala no desejo de controle sobre a imprensa; não esboça a mínima autocrítica em relação aos escândalos de corrupção e em relação à política econômica dos governos do PT que levou à recessão de 2014 a 2016; fala em acabar com as privatizações, a reforma trabalhista, a âncora fiscal, a regra de ouro e a independência do Banco Central.
Diante disto, fica claro que nem todos os segmentos da sociedade estão contemplados. Os setores do polo democrático, mais do que o desejo de apresentar uma alternativa, têm o dever de construir candidaturas que defendam radicalmente a democracia, a liberdade individual, social, econômica e o desenvolvimento sustentável. Para ganhar ou para perder, desempenhando o papel pedagógico e mobilizador que a democracia requer. Polemizar e interagir com Bolsonaro e Lula, obrigando a todos explicitarem o que querem para o futuro do Brasil.
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