Agosto se aproxima, e até lá todo gestor público consciente deveria ter em mente uma missão: debater, planejar e trabalhar para que encerremos o mais brevemente possível esse longo e indesejável ciclo de fechamento das escolas públicas brasileiras. O recado vale para prefeitos, governadores, secretários de Educação e Saúde, gestores educacionais, professores, parlamentares – toda e qualquer pessoa razoavelmente preocupada com o futuro de nossos alunos.
Alguns governos estaduais e prefeituras iniciaram processos de retomada gradual do ensino presencial. Outros anunciaram a retomada para agosto. Mais alguns pretendem consolidar a estratégia de reabertura das escolas nas próximas semanas. O ritmo, porém, ainda é bastante tímido, desigual e com baixa efetividade. Muitos deles autorizaram apenas a rede privada. Há baixa adesão dos municípios. É comum a ameaça de greves ou manifestações contrárias à reabertura. Não raro há risco de judicialização. Para não dizer que, em boa parte dos Estados que ainda não iniciaram o processo, não há prazo para retomada.
Já passou do momento de reagirmos. Precisamos acelerar um retorno gradual, seguro e efetivo das aulas presenciais, e em escala nacional. Essa aceleração exibe uma razão simples na forma e gravíssima nas consequências: ou fazemos isso, ou estaremos condenando esta geração de estudantes a danos profundos e, por que não, irrecuperáveis. Sim, quando se fala em efeitos brutais da pandemia sobre o aprendizado e as desigualdades educacionais, já não estamos falando de algo facilmente mitigável. Não dá para achar que “aprendizagem se recupera depois”. Não recupera.
Para quem duvidar ou achar que se trata de artifício retórico, sugiro ler alguns dos diferentes estudos produzidos sobre o impacto da pandemia na educação brasileira. Organizações insuspeitas como Unesco e Unicef têm reiteradamente apontado as múltiplas dimensões do impacto do fechamento prolongamento das escolas. Perdas de aprendizagem, riscos de abandono escolar e consequências psicossociais são algumas dos problemas reais.
Um estudo do Unicef calculou que, em novembro de 2020, cerca de cinco milhões de crianças e adolescentes de seis a 17 anos não tiveram acesso à educação no Brasil. No seu cálculo, o Brasil corre o risco de regredir duas décadas no acesso à educação. O Banco Mundial fala em risco de perdermos até sete anos de aprendizagem. Ou que 70% das crianças brasileiras de até dez anos podem não conseguir ler e entender um texto simples devido às sequelas da pandemia.
No Estado mais rico do país – com uma das melhores condições socioeconômicos para enfrentar problemas e limitações – o fechamento das escolas durante a pandemia em 2020 derrubou em nada menos que 72,5% o aprendizado esperado e mais que triplicou o risco de evasão escolar. Foi o que revelaram mais de oito milhões de dados de estudantes da rede estadual paulista, num estudo feito em parceria pelo BID e a Secretaria da Educação de São Paulo.
Se isso não é uma tragédia geracional, o que mais poderia ser qualificado como tal?
Considerando o tamanho do problema e a aceitação de que, apesar do avanço da vacinação e do recuo dos indicadores epidemiológicos, a pandemia será uma realidade por mais alguns meses, acelerar o retorno às aulas presenciais de forma gradual, segura e efetiva é a missão que deve unir a todos. Algumas premissas devem ser seguidas:
- Vacinação dos professores como elemento-chave. Avançamos na vacinação dos profissionais de educação de maio para cá em diversos Estados e isso é fundamental para aumentar a segurança e a confiança da comunidade escolar.
- Foco na organização e na implementação dos protocolos sanitários já conhecidos, como distanciamento social, uso de máscaras específicas, disponibilização de álcool em gel, ventilação, sanitização dos ambientes e testagem. A informação científica mais atualizada mostra, por exemplo, que a aquisição de termômetros e limpeza de superfícies – muito comum em algumas localidades – têm muito mais baixa eficácia do que os testes e a distribuição de máscaras de qualidade, por exemplo.
- Reconhecer a inadequação de algumas escolas dentro das redes de ensino e prepará-las para tal. Essa inadequação não pode imobilizar o avanço onde já existem condições de infraestrutura e, acima de tudo, exige que governos estaduais e prefeituras iniciem o processo de adequação. Em outras palavras, criem condições de infraestrutura, com obras de ampliação de ventilação e outros cuidados recomendados para uma abertura segura. Não custa lembrar: a retomada é gradual.
- Não basta mais apenas reabrir as escolas, é preciso que a resposta educacional seja contundente. Depois de tantos meses de escolas praticamente fechadas e seus múltiplos impactos, há um conjunto de respostas necessárias, entre as quais a busca ativa por alunos, uma estratégia de acolhimento e aceleração e recuperação de aprendizagem, e atenção especial a alunos mais pobres e em situação de maior vulnerabilidade.
- Coordenação e cooperação entre estados e municípios. Se essa é uma regra de ouro para o aumento de eficácia de políticas educacionais em geral, torna-se mais necessária ainda num contexto de crise como o nosso. Isso inclui o compartilhamento de estratégias de curto prazo, apoio técnico e financeiro e intensificação da comunicação entre lideranças políticas.
Complexo? Sim. Trabalhoso? Certamente. E exatamente por isso não podemos mais assistir, quase inertes, a uma espera pelo fim da pandemia, ou termos uma população 100% vacinada. O pacto pela educação brasileira se ancora numa ideia-força, capaz de mover corações e mentes de todo o país: uma reabertura das escolas de forma gradual, segura e efetiva. Uma retomada das aulas presenciais que preserve a vida e a segurança da comunidade escolar e, ao mesmo tempo, assegure o presente e o futuro de milhões de crianças e jovens.
Difícil pensar neste momento um melhor e mais poderoso projeto de país do que este.
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