Às vezes, uma única oportunidade pode definir o papel que uma pessoa vai desempenhar por toda uma vida na sociedade: herói ou vilão. O ator americano Chadwick Boseman, conhecido por viver o ‘Pantera Negra’, acumulou influência em papéis históricos de reafirmação: o primeiro negro super-herói, o primeiro jogador negro na liga de beisebol, o primeiro juiz negro da Suprema Corte. Graças aos incentivos do também excelente ator Denzel Washington, que custeou seus estudos de teatro, seu talento e nobreza inatos ganharam o mundo.
Jacob Blake, um homem negro de Kenosha, Estados Unidos, recebeu sete tiros pelas costas de um policial branco, na frente dos filhos menores. Teria ido ao local do crime para apartar uma briga, e acumulava passagens pela polícia por violência doméstica e sexual. Se Blake tem contas a ajustar com a justiça, deveria ter sido preso. Quando jovem, Blake foi um dos fundadores da Black Urban Recycling, organização de reciclagem em Chicago. A única oportunidade que teve de atrair os olhares do mundo veio de uma arma de fogo, infelizmente.
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Duas infâncias pobres nos Estados Unidos, duas identidades negras cujas vidas importam, como todas. Um verdadeiro lutador, Chadwick perseverou e em todos os filmes que conhecemos, atuou durante inúmeras cirurgias e quimioterapia. Já Blake luta pela vida, segundo seu pai, algemado a um leito no hospital, em que pese estar com o corpo paralisado da cintura pra baixo por conta da destruição completa de vértebras da coluna.
Chadwuick ganhou o respeito e uma vida com significado ao participar de longas superproduções, com as melhores câmeras que só Hollywood pode pagar. Blake foi alçado ao mundo por simples câmeras de celulares, cujas imagens foram rapidamente difundidas pelas redes sociais e que são, hoje, o estopim de uma onda de protestos antirracistas em seu país.
Volto ao terreno das oportunidades para lembrar que, aqui e acolá, temos inúmeros talentos negros, indígenas – de qualquer que seja a raça ou condição social, prontos a emergir, a serem revelados. Mas a estrutura de sociedade sob a qual vivemos ainda nega direitos e oportunidades a muitos. Em nosso país, quando olhamos para o Índice de Desenvolvimento Humano e as dimensões consideradas para o cálculo — longevidade, educação e renda — vemos que educação e trabalho são inerentes ao índice e têm peso duplo.
Assim como no caso de universidades, que implementaram ações afirmativas, boas escolas e empresas poderiam fazer seus próprios programas de equidade racial e social, fundados na Constituição Federal, de tratados internacionais e outras normativas que, há décadas, tornaram possível a adoção de ações afirmativas.
Recorro a Nelson Mandela pra lembrar que “ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, ou por sua origem, ou sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar, pois o amor chega mais naturalmente ao coração humano do que o seu oposto. A bondade humana é uma chama que pode ser oculta, jamais extinta”.
Todos sabemos que ninguém nasce racista ou preconceituoso, bandido ou vilão. Basta apenas uma oportunidade. Ou a falta dela.
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