Por Jean Paul Prates*
Na temporada de aniquilamento de patrimônio público, os Correios são a bola da vez. Bolsonaro e seu guru da liquidação, o ministro da Economia Paulo Guedes, estão prontos para jogar na bacia das almas 100% do capital da estatal cujas raízes remontam ao ano de 1663.
A ideia de torrar integralmente a participação estatal nos Correios não desceu nem pela garganta do procurador-geral da República, Augusto Aras — que não costuma ser nota dissonante nas cantigas entoadas pelo Palácio do Planalto.
É que a Constituição Federal — ainda em vigor, apesar da pertinaz objeção de alguns — obriga a União a manter um serviço postal e um correio aéreo nacional. Daí a advertência da PGR, divulgada na última quarta-feira (7) sobre a inconstitucionalidade de mais essa aventura privatista.
Alerta semelhante é feito pela Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect). A entidade ressalta que a liquidação de 100% dos Correios só poderia ser concretizada por meio de Proposta de Emenda à Constituição (PEC).
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E o governo Bolsonaro tem pressa: o plano é votar a privatização dos Correios na Câmara dos Deputados até o próximo mês de agosto.
Como no caso da Eletrobrás, cuja privatização foi recentemente sacramentada por escassa maioria no Senado, o dogmatismo ultraliberal permanece absolutamente surdo diante de argumentos fundados no bom senso: não se vende patrimônio quando o mercado está em baixa e o País paralisado por uma pandemia e não se liquida a preço de banana um ativo rentável.
Segundo alguns moderninhos, os Correios estariam “ultrapassados” e precisariam de investimentos vultosos para se adequarem ao século 21.
Não sei onde essa gente se informa, até porque não se exibem mais filmes de capa e espada na Sessão da Tarde, onde cartas escritas com penas e despachadas com lacre vermelho e sinetes eram despachadas em lombo de cavalos montados por audazes ginetes.
Se o WhatsApp substituiu as cartas, hoje o mundo chega às nossas casas por meio do comércio eletrônico — e entregar esses produtos é um negócio muito lucrativo.
Com um contingente de cerca de 100 mil trabalhadores, os Correios são insubstituíveis no campo logístico cumprindo um papel estratégico que vai muito além de entregar 15,2 milhões de correspondências e encomendas por dia, como fez no ano passado — ainda que bastassem essas duas funções, especialmente quando se pensa em comércio eletrônico e sua logística.
Verdadeira central de serviços presente onde, em geral, os serviços não chegam, a estatal Correios está presente nos 5.570 municípios, atuando como correspondente bancário, emitindo CPFs e guias para pagamento de IPTU, e atendendo segurados da Previdência, entre uma miríade de outras atividades.
No mundo inteiro, a partir do advento da internet, as empresas postais precisaram se reinventar para se converterem em grandes corporações logísticas. Se é verdade que os Correios precisam acelerar para fazer frente aos novos desafios, também é verdade que um elemento essencial nessa modernização—em todo o planeta—é conseguir chegar às localidades mais longínquas, como já faz a nossa estatal postal.
Para o Estado brasileiro, poder continuar assegurando a presença dos Correios em todo o seu território—não apenas onde a operação dá lucro—para entregar encomendas e prestar outros serviços é estratégico. É questão de soberania.
Também pode ser um grande negócio. Basta olhar o ranking mundial dos aeroportos de carga, totalmente influenciado pela presença de empresas postais. Só como exemplo, cito o primeiro da lista, o Aeroporto de Frankfurt, na Alemanha, onde estão estabelecidos a DHL e o Deutsche Post. O segundo é o Aeroporto de Memphis, nos EUA, onde está o hub da Fedex, uma das maiores empresas de carga aérea do mundo.
Em torno dessa atividade, floresce uma cadeia gigantesca de atividades. Gravitam centros de distribuição, de montagem de equipamentos eletrônicos ou médicos, conteinerização e embalagem, só para citar algumas.
O controle da estatal Correios e a consequente capacidade de escolher os hubs de operação das atividades da empresa são ferramentas imprescindíveis para a indução da atividade econômica nas diversas regiões brasileiras. Ferramenta da qual não se abre mão quando se tem uma economia a ressuscitar depois que essa crise feroz for debelada.
Por tudo isso, afirmo: privatizar os Correios é mais um péssimo negócio que o governo Bolsonaro quer deixar de herança para o Brasil. Vamos impedi-lo!
*Jean Paul Prates é senador da República pelo Rio Grande do Norte e líder da Minoria na Casa
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