Vivemos num mundo complexo, desafiador, turbulento. Globalização redimensionada pela pandemia, redes digitais de comunicação em escala mundial, inteligência artificial, engenharia genética, criptomoedas e fluxos financeiros instantâneos, mundo multipolar pós-guerra fria testado pela invasão da Ucrânia, desafios globais no plano da sustentabilidade e do clima, demandas por inovação, competitividade e produtividade, imigração derivada da pobreza extrema e o revigoramento da xenofobia, emergência do populismo autoritário iliberal em diferentes países, desigualdades profundas de renda e riqueza entre famílias, países e continentes.
Diante de tamanhos desafios, o Brasil parece patinar em suas escolhas, adiando soluções, perdendo oportunidades, adotando retrocessos. Nós, que lutamos pela redemocratização, imaginávamos que, conquistada a liberdade, as soluções naturalmente seriam construídas. Hoje, ao olharmos o Brasil do século 21, temos a nítida percepção de um copo meio cheio, meio vazio. Uma travessia incompleta e cheia de lacunas.
Avançamos muito. A conquista do maior ciclo democrático de nossa história, a derrota da inflação, a universalização do ensino fundamental, a construção do SUS, a consolidação de uma razoável rede de proteção social, telecomunicações no estado da arte, matriz energética limpa e potencialmente eficiente. Temos uma indústria diversificada, um agronegócio poderoso e uma rede de serviços com densidade inegável.
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No entanto, metade da população ainda não possui coleta de esgoto. As condições de habitação são péssimas para amplas parcelas de nosso povo. Os indicadores de qualidade da educação são sofríveis. Os índices de violência assustam. A produtividade da economia é baixa e a capacidade de inovação aquém da ideal. A infraestrutura logística não responde às necessidades da economia e da sociedade.
As desigualdades sociais são estratosféricas. Os desequilíbrios macroeconômicos ainda nos interpelam. E a democracia sobrevive contestada, como nos tristes eventos de 8 de janeiro. Em 1980, tínhamos o PIB per capita maior que o da Coréia do Sul. Hoje, 43 anos passados, o país asiático tem mais que 4 vezes o nosso PIB per capita. Onde erramos? Vamos insistir nos equívocos na crença de que uma soma de erros resultará em algum acerto?
O país mergulhou, nos últimos anos, em polarização política insana, onde adversários são convertidos em inimigos a serem exterminados. Os espaços de diálogo e construção de consensos se encurtaram. Jogamos ao mar o legado dos líderes da redemocratização, como Ulysses Guimarães e Tancredo Neves. As “verdades alternativas” proliferam. O debate publico é eivado de preconceitos e idiossincrasias.
A extrema-direita ressurgiu com força superior às experiências históricas de Plínio Salgado e seus integralistas e de Carlos Lacerda e sua UDN. Lula e o PT reafirmaram a resiliência de sua trajetória na apertada vitória de 2022. O centro democrático vem experimentando grave esvaziamento desde 2018. Amplos setores partidários mergulham num ativo pragmatismo, pendulando entre as forças conjunturalmente hegemônicas e fazendo valer seu papel de fiéis da balança da governabilidade, dentro de um sistema eleitoral e partidário caótico, que dificulta a configuração de maiorias e minorias estáveis e sólidas.
A política brasileira precisa urgentemente enfrentar a agenda de interesse nacional. A revolução educacional é inadiável. O SUS precisa ser reforçado. O novo modelo de desenvolvimento econômico, inclusivo e sustentável, necessita ganhar concretude. As travas à geração de renda e emprego carecem ser removidas. A democracia e suas instituições precisam ser fortalecidas.
Urge uma tomada de posição de todos os líderes progressistas. No mundo contemporâneo, afastadas velhas travas ideológicas, é possível uma enorme convergência. Com os olhos no futuro e apostando no enorme potencial da renovação geracional em curso na política brasileira, creio que as lideranças do PSDB, CIDADANIA, PSB, PDT e SOLIDARIEDADE deveriam abrir conversações visando criar um novo polo democrático e progressista, que evolua progressivamente de um bloco político-parlamentar – com 54 deputados federais, 10 senadores, um vice-presidente da República e 7 governadores – para uma federação partidária, e daí, para uma possível futura fusão, gerando um partido renovado, que recicle as boas tradições do trabalhismo, da socialdemocracia e do socialismo democrático, superando anacronismos e projetando um Brasil que resgate a dignidade e a esperança dos brasileiros.
A configuração desse novo polo socialdemocrata agregaria força política hoje dispersa e aumentaria a sua nitidez ideológica, em tempos de pragmatismo extremado e desconfiança da população em relação ao sistema político. O surgimento da nova Socialdemocracia qualificaria o diálogo com o governo e o PT, com os presidentes Rodrigo Pacheco e Arthur Lira, com a centro-direita organizada no bloco MDB, PSD, PODEMOS e REPUBLICANOS e a direita espelhada no bloco PP, União Brasil e PL.
O Brasil tem pressa. Oportunidades políticas podem sempre escapar entre os dedos. A reorganização da centro-esquerda, mais do que um desejo, é uma necessidade histórica e uma exigência da realidade. Isso se valores, ideias, objetivos estratégicos, princípios, história e coerência ainda fizerem sentido na política brasileira. Está em nossas mãos!
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