Luiz Felipe da Rocha Azevedo Panelli*
O Congresso Nacional está às voltas com a discussão da PEC 32, que pretende realizar uma ampla reforma administrativa. De autoria do Poder Executivo, a PEC previa uma ampliação dos poderes do presidente da República e uma mudança enorme na forma de funcionamento dos servidores públicos, que teriam a estabilidade relativizada e poderiam ser contratados com vínculo temporário.
Como era de se esperar, a PEC enfrenta enorme resistência de sindicatos e partidos de esquerda. Diversas associações de servidores encararam a PEC como um ataque a passaram a fazer uma campanha pelo seu arquivamento. Partidos de esquerda aproveitaram o ensejo da PEC para antagonizar ainda mais com o governo, aumentando a horrenda polarização que nos assola.
Não há dúvida de que o Brasil precisa de uma profunda reforma administrativa. Gastamos mais com o funcionalismo do que alguns países desenvolvidos e temos uma política de estabilidade extremamente generosa, que se assemelha com o regime vitalício dos magistrados. Ainda, décadas de pressão corporativista impediram que os principais mecanismos da Emenda nº 19, promulgada em 1998, fossem regulamentados.
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A avaliação periódica de desempenho, por exemplo, poderia ser usada para exonerar servidores ineficientes, mas a regulamentação por lei complementar prevista na Emenda 19 nunca foi feita. Hoje, é praticamente impossível exonerar um servidor ineficiente; o desligamento compulsório só ocorre em caso de aposentadoria ou demissão por conta de processo administrativo e judicial. Para completar o quadro trágico, a insistência em manter um regime próprio de previdência social transformou estados, municípios, autarquias e outros entes em verdadeiras caixas de aposentadoria e pensão, comprometidas até o limite com benefícios previdenciários e totalmente incapazes de desempenhar suas funções.
Uma reforma é, portanto, necessária. A reforma ora proposta pelo governo, porém, só piora as coisas. Linhas gerais, a PEC é um amontoado de erros. Ela incha o texto constitucional, cria um vínculo de experiência do servidor que não resolve problema algum e confunde mecanismos de direito administrativo com direito econômico. Se a estrutura do funcionalismo hoje é ruim, com a PEC 32 ficará pior.
A mesma coisa pode ser dita com relação à participação da iniciativa privada na prestação dos serviços públicos. Há diversos mecanismos legais, tais como as parcerias público-privadas, as organizações sociais e outros, que dispõem sobre a participação da iniciativa privada na prestação dos serviços públicos. Infelizmente, tais mecanismos têm desempenho muito aquém do necessário. São recorrentes os relatos de órgãos de fiscalização do Estado a respeito da corrupção em áreas de parceria com a iniciativa privada, em especial na saúde.
O que fazer, então? O primeiro passo é rejeitar o corporativismo das associações sindicais e entender que precisamos de uma reforma. O segundo é fazer uma análise profunda e pormenorizada sobre o porquê do mau funcionamento dos atuais mecanismos. Só então devemos legislar.
A primeira parte da reforma deveria se dar no âmbito legal, com a regulamentação de todos os dispositivos constitucionais da Emenda 19 e outras emendas sobre direito administrativo que ainda não foram regulamentados, em especial a exoneração de servidor ineficiente por avaliação periódica de desempenho.
A segunda parte deveria ser a correção dos mecanismos de participação privada existentes (o que também prescinde de reforma constitucional, bastando alteração legal). Precisamos afastar e punir os maus empresários (que quase sempre têm conluio com políticos) e atrair os bons empresários para as parcerias privadas. Por fim, deveríamos fazer uma reforma constitucional pontual e cirúrgica, focando nos privilégios que existem em diversos ramos do Poder Público, em especial na magistratura, no Ministério Público, nos parlamentos e no setor militar.
O problema é que agir desta forma requer certo equilíbrio, capacidade de análise e atuação técnica. Atualmente, estamos presos entre um governo absolutamente disfuncional e corrupto e uma oposição radicalizada e obcecada com a possibilidade de volta ao poder.
Queremos um Estado menor, mais eficiente, mais econômico e apto a prestar serviços públicos de qualidade, com ampla participação da iniciativa privada e sem os vícios que marcam o atual funcionalismo. Lamentavelmente, nem o governo Bolsonaro, com sua péssima PEC 32, nem a oposição, com seu corporativismo histriônico, poderão nos dar o que queremos.
*Luiz Felipe da Rocha Azevedo Panelli é advogado e assessor parlamentar. É doutor em direito do Estado pela PUC-SP.
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