Oxalá queria ouvir a opinião de Emanuel e Jaci sobre um pedido que recebera em seu terreiro mais antigo, desta vez formulado pelo próprio babalorixá. Embora estivesse acostumado a pedido semelhante, não queria que o sentimento que nutria pelo Pai de Santo influenciasse na resposta buscada. Oxalá sabia que o Dirigente da sua Casa, como ocorria por várias gerações, preparara o seu primogênito para seguir na missão de zelar pelo terreiro, preservar a história de sua comunidade, conduzir as obrigações e seguir guiando as vidas das pessoas necessitadas do aconselhamento espiritual. O problema consistia na recusa do Pai Pequeno em dar continuidade ao legado paterno como Dirigente do terreiro, apesar da sua comprovada vocação em ajudar humildemente as pessoas e zelar pela melhoraria da humanidade.
O filho argumentava que a mensagem mediúnica que recebera apontava que estava sendo chamado para a medicina dos corpos como caminho preparatório para o cuidar da medicina dos espíritos. Queria, portanto, ser médico e não Pai de Santo.
– Eis o meu dilema, amigos! – concluiu Oxalá. – Gosto muito dos dois e sei da capacidade espiritual do nosso futuro médico. Ele seria um grande babalorixá, talvez um dos melhores que poderiam zelar pelo terreiro.
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– Não é fácil convencer um pai de que o caminho que ele trilhou com paixão e projetou para o seu filho não é o único possível para que se obtenha a felicidade – concordou Emanuel. – Ainda mais quando ele sabe que a Casa que ele construiu tem cumprido essa missão por décadas.
– Verdade! Quando nos envolvemos em um projeto e por ele nos apaixonamos, acreditamos que ele é via de única mão, não sendo possível outras formas de iluminar a vida – assentiu Jaci. – Quando me exibo em luar novo, crescente, cheio, minguante ou até em uma longa escuridão reflexiva, mostro que tudo faz parte do mesmo e ininterrupto ciclo. Tento mostra que cada fase tem uma característica própria, nenhuma melhor ou mais bonita do que a outra.
– As dúvidas sobre os nossos verdadeiros chamados são mesmo normais, até para nós – revelou Emanuel. – Eu algumas vezes já pedi a meu Pai que afastasse de mim o Cálice a que estou destinado.
– E eu não sei! – lembrou Oxalá. – Quando pai Olurum me deu a incumbência de criar o mundo, por um momento me desviei da importante missão, perdendo o privilégio de portar o saco da criação para Oduduá. Adoto como consolo a ideia de que que meu pai, lá no Orum, queria mesmo que substituísse a missão original para melhor me concentrar na criação dos seres humanos, ou como forma de demostrar que um destino pode ser substituído por outro.
– Então relembre a sua história ao babalorixá – recomendou Jaci. – Mostre com o seu exemplo de que o chamado do filho pode ser outro. Que a mudança do plano original de Olorum fez o mundo ser o que ele hoje é.
– Melhor ou pior, cada um de nós tem a própria avaliação – gargalhou Oxalá. – Mas ao modificar o meu chamado inicial, eu realmente mudei o chamado da própria humanidade.
– É assim o tempo todo, basta aprendermos a abrir o olhar – concordou Jaci. – O ser humano precisa aprender a enxergar a pluralidade dos caminhos e não a existência de uma única estrada. Toda noite eu testemunho a mudança dos planos originalmente traçados. Frações de segundo que mudam uma vida ou mesmo o caminhar de toda uma geração.
– Este é o segredo, Jaci – parabenizou Emanuel. – Ao aprendermos a abrir o olhar, novos caminhos surgem milagrosamente. É o que meu Pai ensinou em Eclesiastes: “Para tudo há uma ocasião certa; há um tempo certo para cada propósito debaixo do céu”.
– Lembrei agora da história do próprio avô do seu porta-voz, Oxalá! – exclamou, radiante, Jaci. – Não foi ele quem saiu para se matricular em um curso de medicina e, no caminho, resolveu entrar no terreiro e nunca mais de lá saiu? Deixou a ideia da medicina e deu início a essa incrível geração que até hoje canta e louva o nosso Rei do Pano Branco?
– Verdade! Ao entrar na Tenda, apaixonou-se pela linda Ialorixá que dirigia nossos trabalhos – lembrou Oxalá.
– Eu não esqueço uma história de amor – sorriu Jaci. – A noite me conta de várias delas, dos destinos modificados, das histórias reescritas, dos novos chamados.
– Eu sabia que podia contar com os conselhos de vocês – agradeceu Oxalá. – Ainda hoje os Caboclos louvarão a importância dos múltiplos caminhos e olhares. Mostrarão que todas as escolhas são válidas, inclusive a de nada escolher. Revelarão que os chamados admitem mudança de rumo, para que outras vidas possam nascer em razão do novo percurso, infinitamente.
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