Este artigo é uma síntese de material já publicado nas Cartas de Conjuntura do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da USCS, o CONJUSCS. Trata-se da junção de três notas que objetivam trazer elementos para entender o atual drama da representação política brasileira e responder à pergunta: para que servem hoje os partidos políticos?
A resposta é que esses, como centros aglutinadores de pessoas e ideias para influenciar ideologicamente a política e chegar ao poder, tem perdido o espaço que tradicionalmente ocupavam, pois não estão conseguindo acompanhar a transição para uma sociedade conectada, informada e informatizada. Nesse processo, embora todos os partidos falem que estão sendo modernizados, o que se vê são exemplos do que não fazer no governo e na política.
Os partidos e o poder
O tema de fundo é o poder e como ele se relaciona com a natureza da atividade política quando ela é atraída por dois extremos de pesos desiguais: o polo de acumulação de poder e o polo do uso do poder. Esse artigo se fundamenta nas ideias e escritos do cientista político chileno Carlos Matus, para demonstrar que os resultados insatisfatórios que os partidos, quando no poder, apresentam para a cidadania, sejam eles de que coloração política for, não se devem aos seus projetos de governo e nem a baixa governabilidade do sistema.
Leia também
Na tese desenvolvida por Matus, os resultados insatisfatórios estão relacionados à baixa capacidade dos dirigentes, suas equipes e sistemas que utilizam quando no governo. Por baixa capacidade de governo, entende-se o desconhecimento das ciências horizontais, em geral, e em particular, das Ciências e Técnicas de Governo. Esse desconhecimento tem sua raiz na incapacidade das universidades de sair do modelo vertical de ensino e a incapacidade dos partidos políticos de formar seus quadros para as funções de governo. Em ambos os casos se requer uma abordagem horizontal e os partidos e as universidades são verticais, tanto no conhecimento quanto na burocracia. A horizontalidade, que perpassa todos os âmbitos do conhecimento acadêmico e da política partidária é fundamental, pois os problemas que hoje enfrentam são complexos. Faltam a eles teoria e métodos de governo para ensinar e atuar.
O poder como meio e como fim
A complexidade aqui referida nasce da natureza do uso do poder num contexto de sociedade e cidadãos ultra conectados. O primeiro uso configura o polo do poder como fim, pelo poder em si mesmo. O segundo é o polo do poder como meio, como instrumento de um projeto, como capacidade para enfrentar os problemas sociais. Aqui há um desequilíbrio insidioso. A competição para liderar e acumular poder pelo poder, tanto ao nível partidário como pessoal é mais forte que a competição para governar com eficiência, eficácia e aceitabilidade. A micropolítica domina e deixa pouco espaço para a macropolítica.
A primeira competição é intensa e esgotadora, e é o dia a dia do político tradicional. Refere-se à luta interpessoal e interpartidária. É a micropolítica distante das ciências e dos interesses dos cidadãos. É a política que é feita nos bastidores, gabinetes e nos pequenos grupos dirigentes. Seus temas obsessivos são os projetos pessoais e os problemas internos do partido que hoje transbordam e dominam as pautas das casas legislativas e das agendas do executivo. Vide como estão se dando as eleições para presidência da Câmara e do Senado Federal.
A segunda é complexa, refere-se aos problemas do sistema social, é avaliada somente em épocas de eleições e está distante do cidadão que avalia. A atividade política combina ambas as competições em proporção muito desiguais. Assim a cultura política dominante é estruturada com base na experiência e na prática simplista da micropolítica, caracterizada pelo imediatismo, pelo pragmatismo, pela tensão, pela urgência, pela operacionalidade e pelo individualismo. O enfrentamento da pandemia da covid-19 pelos governos é um exemplo que ilustra bem esse ponto.
A macropolítica e a micropolítica
A cultura de competição que é eficaz e operante na micropolítica interna é altamente ineficaz para governar e enfrentar os problemas reais de uma agenda de governo. A micropolítica domina por duas vias: ocupando o tempo crítico do político que toma decisões e criando um estilo superficial de fazer política, que cruza todas as ideologias. Muita micropolítica com pouca macropolítica. Muita manipulação com pouca direção. Muito esforço para ganhar o poder e pouco para governar com eficácia e aceitabilidade.
Deste híbrido surge a personalidade pragmática e microativa do político tradicional, que depois se transfere às funções de governo, quando este está no poder. O estilo micropolítico, gestado na atividade partidária, domina no momento do enfrentamento dos problemas de governo. Os métodos primitivos da política, com p minúsculo, que operam na competição simples empobrecem a Política, com P maiúsculo que se exerce na competição superior mais complexa. A competição micropolítica é uma competição entre políticos profissionais. A competição macropolítica se dá entre profissionais na política. Assim sendo não é estranho que os partidos políticos sejam bons para ganhar eleições e maus para governar.
A distinção entre esquerda e direita, válida para qualificar um projeto de governo, não é suficiente quando se trata de julgar a capacidade de governo. Neste aspecto todos são iguais, sejam eles progressistas, conservadores, tradicionais ou outras denominações. A baixa capacidade macropolítica é uma carência generalizada. Todos ignoram as ciências e técnicas de governo. Todos querem governar apenas com a improvisação, intuição e bom senso. Os novos políticos se convertem velozmente em velhos e se auto satisfazem com a droga do poder. Não há renovação no estilo de se fazer política.
Esta cultura política primária produz resultados políticos pobres. Os problemas se acumulam e se repetem até tornarem-se parte da paisagem social. A ineficácia macropolítica produz, inevitavelmente, o menosprezo das pessoas pelos políticos, pela política e pela democracia, como demonstram, entre outros estudos, as pesquisas feitas pela organização Latinobarómetro.
A política como instrumento de liberdade ou submissão
Com tudo isso, pode parecer que a liberdade é incompatível com a eficácia. Desse sentimento é que nascem as tentações autoritárias. E enquanto a democracia que temos, por ser ineficiente, acumula os grandes problemas, não os processa e não os enfrenta, a cidadania se distancia da política ou abraça a alternativa do populismo e da violência. A credibilidade do governante ante seus governados tem chegado a níveis baixíssimos. Se bem que, a essa deterioração sempre se soma a falta de vontade, de ética e dos interesses escusos.
Para piorar, acima disso tudo está a incapacidade do estrato político superior para enfrentar os problemas reais sofridos pela sociedade. A cabeça não tem cabeça para governar. Da esquerda até a direita se governa sem métodos, a pulso, com a mesma segurança pétrea daquele que “não sabe que não sabe”. Situação que faz com que esse tipo de dirigente, mesmo ignorante, pense e aja como um dirigente que sabe o que deve ser feito e como fazer.
Essa situação é tão corriqueira que até parece natural, sem alternativas. Nessa lógica, quando os problemas se agravam, as declarações e atitudes se tornam mais radicais, enquanto as capacidades para enfrentá-los diminuem na mesma proporção do aumento da radicalidade. Esse dirigente não tem capacidade de governo, não sabe desenhar e escolher seu projeto e como não sabe modernizar sua organização, se acomoda e é engolido pela ineficiência do aparato tradicional que comanda.
Os partidos e a ingovernabilidade sistêmica
Nesse contexto, quando triunfam eleitoralmente as forças políticas com ética, vontade e peso para dominar os interesses escusos, elas fracassam de um modo diferente, entretanto fracassam. Quando falta a vontade e dominam os interesses das minorias, os resultados são pobres por omissão. Quando há vontade e domina o povo na democracia, os resultados são pobres por incompetência. Nesse cenário o fracasso das forças progressistas é ainda maior e mais transcendente porque causa uma incapacidade que deixa indefesa a maioria excluída. Desta maneira só aumenta hoje o descontrole sobre a tensão social que amanhã se combaterá com repressão.
As lideranças políticas não reconhecem sua baixa capacidade de governo e não sabem as causas de seu desprestigio. O atribuem exclusivamente ao projeto de governo e a governabilidade. E, às vezes, simplesmente, às deficiências de comunicação. O argumento de consolo é: “eu faço bem, entretanto comunico mal”. Assim, como resposta à falta de bons índices de aceitabilidade, as forças conservadoras adotam o populismo aberto, enquanto a esquerda se direitiza, moderando suas propostas de mudança. Ninguém aponta a capacidade de governo como a causa principal do deterioro da política. Todos se autoqualificam capazes porque não sabem que não sabem. Deste modo os opostos se igualam nas suas propostas e são semelhantes nas suas incapacidades. A indiferenciação política aumenta. O cidadão responde com indiferença pela política. É imperativa uma revolução na capacidade de governo e no estilo de fazer política.
Trazer a política e o governo para o século 21 significa entender que ainda estão no século passado. A sociedade, por meio da internet e das redes sociais, já avançou e hoje cobra da política que essa se modernize. Mas a questão de fundo foi levantada por Matus e ainda não respondida: “quem moderniza dos modernizadores?”.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.
Deixe um comentário