Em 2021 já não resta dúvida da poderosa influência exercida pelos evangélicos na disputa eleitoral brasileira. Além de outros aspectos, que veremos ao longo deste texto, o slogan do governo federal, “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, deixa mais do que evidente que o discurso religioso foi decisivo para a disputa eleitoral de 2018 no Brasil, momento de grande crescimento dos grupos evangélicos, sobretudo dos neopentecostais, no país.
Quem são os evangélicos?
O primeiro passo para compreender esse grupo religioso é perceber que não são um grupo tão coeso quanto pode parecer. Os evangélicos estão subdivididos em diversas denominações religiosas, capazes de atender os mais diversos grupos da sociedade brasileira. De forma geral, se destacam quatro grandes grupos onde essas denominações podem se alocar: Protestantes clássicos, Pentecostais, Neopentecostais e Interdenominacionais.
O primeiro grupo de protestantes são evangélicos mais clássicos, ligados às tradições mais antigas e próximas do catolicismo, como a Igreja Presbiteriana do Brasil, por exemplo. Essas Igrejas, possuem uma estrutura hierárquica e uma formação sacerdotal mais estruturada e estabelecida.
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Já os Pentecostais, que chegaram ao Brasil através de missionários no início do século passado e tiveram maior expansão nacional entre os anos de 1950 e 1960, se caracterizam como um grupo de rígido padrão de comportamento e discurso anticatólico. As coisas consideradas do mundo eram tidas como pecaminosas e os fiéis eram proibidos de assistir TV, usar certos tipos de vestimentas, entre outras coisas.
No fim dos anos 70 surgem os neopentecostais e, ao contrário dos pentecostais que queriam se separar do mundo, eles buscam integração na sociedade, disputando os meios de comunicação, difundindo a polêmica teologia da prosperidade e influenciando de forma mais direta os discursos e processos políticos.
E, por fim, temos o grupo interdenominacional, que são grupos de evangélicos, de diferentes denominações, que se unem para a defesa de valores e pautas contra-hegemônicas dentro de suas comunidades de origem. Defendem questões relacionadas aos Direitos Humanos, como o aborto, o punitivismo, a orientação sexual , o racismo e o Estado laico, tendo maior expressão nas redes sociais.
Diferente das igrejas católicas e protestantes clássicas, as igrejas pentecostais e neopentecostais não possuem uma estrutura tão verticalizada e burocratizada, permitindo a formação de pastores mais fácil e rapidamente e a constituição de templos religiosos literalmente em qualquer lugar. Essa estrutura, presente em igrejas como as Assembleias de Deus e Universal do Reino de Deus, permitiu com que os valores evangélicos fossem alcançando populações vulneráveis, onde nem o Estado, nem a igreja católica e nem os Direitos Humanos conseguiam chegar. E é exatamente aqui que mora o cerne da questão a qual nos dedicamos neste artigo. É a partir desse elemento que começamos a entender como foi possível, em tão pouco tempo, tamanho crescimento da influência evangélica na sociedade brasileira.
O crescimento da influência evangélica
Observando os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e estatística (IBGE) é possível constatar o assombroso crescimento dos evangélicos no Brasil, que em 1980 somavam pouco mais de 7 milhões de brasileiros, passando para pouco mais de 13 milhões em 1991 e saltando para pouco mais de 42 milhões de fiéis em 2010. Enquanto isso, o número de católicos vem, paulatinamente, diminuindo ao longo das décadas. Esse crescimento populacional dos evangélicos no Brasil, veio acompanhado do aumento da participação do grupo religioso nas instituições políticas, nas instituições financeiras e no aumento do conservadorismo.
O mais interessante é que esse movimento veio se fortalecendo durante a gestão do Partido dos Trabalhadores (PT), um partido de esquerda, ligado aos movimentos das classes trabalhadoras e aos campos progressistas da sociedade civil. Uma das possíveis razões que poderiam explicar esse paradoxo é o fato de, exatamente nesse período, muitos brasileiros terem saído da pobreza extrema, devido às políticas públicas de combate à miséria no país, adotadas pelo Presidente Lula e, posteriormente, pela Presidenta Dilma, através de programas de combate à fome, acesso a moradia, educação, empregabilidade e transferência de renda, que possibilitaram uma tímida, porém histórica mobilidade social para as populações mais pobres do país que, coincidentemente, são maioria também nos contingentes evangélicos, em sua maioria, as mulheres pretas. No entanto, houve um gap no entendimento e na ação do próprio governo a respeito da conjuntura que estava posta e construía as bases para o fortalecimento político-religioso desses grupos fundamentalistas nas instituições políticas brasileiras, que viriam, junto a outros atores, derrubar o governo em nome dos supostos valores cristãos.
A captura cognitiva
Uma “captura cognitiva” da realidade, perpetrada pelos líderes religiosos, convenceu a população evangélica e seus simpatizantes que a sua “prosperidade” se dava pela fé e não devido às ações implementadas pela gestão política de um partido de esquerda, atendendo às reivindicações históricas dos movimentos sociais. Além disso, houve um forte desgaste da opinião pública relacionada ao governo, devido aos intensos ataques orquestrados pelos donos dos grandes meios de comunicação do país. Houve um deslocamento de poder e, a partir disso, vimos alianças muito sinistras acontecendo entre os grupos evangélicos, o capital, as instituições políticas, instituições paramilitares e o narcotráfico. Uma verdadeira arma de guerra que vem ameaçando o Estado Laico e a democracia brasileira diariamente.
Infelizmente os campos progressistas não conseguiram estruturar a tempo e a contento um contra-ataque democrático. Não foi possível organizar a sociedade politicamente, fortalecer as mídias independentes, regulamentar o uso das novas formas de captura de dados e uso das novas tecnologias nas campanhas eleitorais e coibir o abuso religioso legalmente. Nada disso foi feito. Enquanto isso, através de alianças político-religiosas, os campos conservadores da sociedade estavam, muito mais do que produzindo sujeitos religiosos, produzindo sujeitos políticos, com aspirações e alinhamentos conservadores, influenciando a opinião pública, interferindo no processo eleitoral através da manipulação de seus fiéis e a disseminação de fake news.
Uma análise não elitista do evangelismo
Apesar disso tudo, o povo não é uma simples massa de manobra nas mãos dos poderosos e líderes religiosos. As pessoas estão preocupadas em sobreviver, em ter acesso aos seus direitos fundamentais. E, embora haja um abuso religioso sobre os indivíduos – é preciso compreender – também existe o atendimento das necessidades mais imediatas das camadas mais vulneráveis da sociedade por essas comunidades. É verdade que não há um compromisso em possibilitar aos indivíduos a sua completa emancipação. Entretanto, para os sujeitos cujo o Estado e os direitos nunca se fizeram presentes, ter acesso a uma comunidade religiosa que os acolhem, lhes dão alguma possibilidade de emprego, alguma perspectiva de melhora de vida, afastamento de filhos do crime organizado, aumentando sua expectativa de vida e o aproximando de uma vida menos indigna, é compreensível a submissão que os fiéis se permitem ter diante dos líderes religiosos.
Uma análise cada vez menos elitista, mais profunda e empática das comunidades evangélicas no Brasil se faz urgente. Precisamos ouvir os intelectuais progressistas advindos dessas comunidades religiosas. Pessoas cuja origem social não é a elite e que podem nos fornecer pistas importantíssimas para sairmos desse imbróglio. Enquanto encararmos as comunidades evangélicas, não os donos das corporações pseudorreligiosas, mas o povo ao qual eles tentam manobrar aos seus interesses pessoais, como meras massas de manobra, sem esse esforço empático de compreender seus anseios, seus dramas e suas vivências teremos um longo caminho tortuoso a seguir.
O processo eleitoral Brasileiro ameaçado
As eleições presidenciais de 2018 mostraram o quanto as massas evangélicas não eram compreendidas pelo espectro político da esquerda brasileira e como esse descuido ocasionou um vácuo preenchido pela extrema direita.
Nas eleições de 2022 será necessária muita fiscalização e, posteriormente, já num governo verdadeiramente democrático, eleito num processo justo, sem manipulações midiáticas e de outras naturezas antidemocráticas, será urgente a revisão da Lei nº 9.504/1997, que estabelece as normas das eleições democráticas no Brasil, sobretudo no que diz respeito ao artigo 37, que trata da propaganda eleitoral. A lei é muito vaga e abre possibilidades de abusos no processo eleitoral, o que sobrecarrega a justiça, que precisa analisar caso a caso. A lei apenas deixa expressa a proibição da propaganda política nos templos e outros espaços semelhantes, por serem bens de uso comum, condicionando a propaganda eleitoral nos bens de uso privado, proibindo o pagamento em troca do espaço para tal finalidade.
Como ainda não temos uma lei adaptada ao novo cenário político e cibernético brasileiro, com o gabinete do ódio em operação, sendo transferido para o exterior, a fim de burlar a justiça eleitoral brasileira, que já é frágil, nos espera um brutal e violento processo eleitoral em 2022, que ainda nem chegou, mas já está totalmente ameaçado.
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