No último dia 24 passou a valer a obrigação imposta pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para que empresas de telecomunicações, que detenham participação no mercado nacional maiores que 5% realizem atendimento de segundo nível por meio de suas ouvidorias.
Explicando: a partir de agora, as grandes prestadoras de serviços de telecomunicações devem disponibilizar uma ouvidoria dotada de autonomia decisória e operacional, vinculada diretamente a presidência da empresa, para assegurar tratamento específico e individual às reclamações dos consumidores que tenham sido realizadas e não resolvidas de modo satisfatório ao demandante.
A medida foi aprovada pela Anatel em dezembro do ano passado e concedeu tempo para que as prestadoras procedessem com as adaptações necessárias, para operacionalizar a determinação. Apesar desse tempo, que garantiu a previsibilidade necessária para mudança regulatória, ao ser divulgada de forma mais ampla, a nova obrigação gerou alguma polêmica.
Os críticos afirmam que a melhor solução para o consumidor é a competição. Assim, o consumidor que não tivesse sua reclamação atendida trocaria de prestadora, passando a consumir o serviço de empresa concorrente. Além disso, argumentam que o excesso de intervenção estatal na prestação do serviço aumentaria custos, gerando ineficiência, com consequente sobrepreço na prestação do serviço.
Com da devida vênia aos argumentos teóricos, eles não têm como prosperar quando da
análise do caso concreto. Ao contrário, como tentarei explicar a seguir, o caso em tela é um ótimo exemplo de regulação bem executada, com foco em problema específico e medida regulatória
adequada para resolver uma falha de mercado. Primeiro, é sempre bom reforçar a importância da regulação para correção das falhas de mercados.
Apesar de nos últimos anos ter ganho força a corrente de pensamento ultraliberal, com uma defesa da redução e até ausência do Estado na economia, a construção teórica da concorrência perfeita é utópica. A história é farta em exemplos de abusos de poder de mercado e exercício de poder de monopólio, com consequências gravíssimas para consumidores e, logicamente, para a sociedade como um todo.
Portanto, é missão das Agências reguladoras dedicar atenção às falhas de mercado e usar dos devidos remédios regulatórios para garantir os melhores resultados ao conjunto da sociedade, considerando consumidores, governo e empresas.
No caso em questão, temos que a regra é válida, ao menos por enquanto, apenas para as grandes empresas. Aquelas que têm poder de mercado, de forma que a troca do prestador de serviço de telecomunicações pode ser não tão simples para o consumidor. Desde 2015, todas as pesquisas de satisfação e qualidade realizadas pela Anatel, apontam que a capacidade das prestadoras de telecomunicações em resolver as reclamações recebidas pelos seus consumidores é avaliada de forma negativa.
Por outro lado, a Anatel recebe cerca de 3 milhões de reclamações sobre a prestação de serviços de telecomunicações por ano. Essas reclamações são repassadas às prestadoras, que na imensa maioria das vezes resolve a questão de forma célere.
Ao receber uma reclamação dos consumidores dos serviços, a Anatel solicita o protocolo de atendimento fornecido pelas prestadoras. Assim, as demandas que chegam à Anatel geralmente passaram antes pelas prestadoras. Quando à Anatel encaminha à prestadora a mesma reclamação anteriormente feita pelo consumidor, o padrão é que uma equipe especializada trate a demanda. Esta seria a explicação para a alta resolutividade.
Portanto, a percepção que temos é que as empresas acabaram por repassar à agência reguladora parte de suas atribuições na prestação do serviço. Ao invés de realizarem o investimento devido para tratamento das demandas dos consumidores, usam a Anatel para selecionar os reclamantes que serão tratados com prioridade.
É importante relembrarmos o ordenamento dos serviços de telecomunicações. A Anatel é uma agência reguladora e, portanto, não presta serviços de telecomunicações, mas sim regula a prestação daquele. A responsabilidade pela prestação do serviço é das empresas, sendo delas a responsabilidade pelo correto atendimento ao cidadão.
Da forma como o atendimento ao consumidor está ocorrendo, as prestadoras acabam por repassar a toda sociedade um custo que deve ser das empresas, materializando assim uma clara falha de mercado.
Assim, quando a Anatel identifica um problema na prestação dos serviços de telecomunicações, como a baixa resolutividade no primeiro nível de atendimento e adota uma providência para que as grandes prestadoras se responsabilizem por suas atribuições, é uma medida inovadora e acertada, com grande probabilidade de entregar uma melhora efetiva na prestação do serviço.
Por muito tempo, o modelo de regulação adotada no setor de telecomunicações foi de comando e controle. Explicando: a agência reguladora definia uma determinada meta e a prestadora tinha que cumprir. Em caso de descumprimento, era aplicada uma multa como sanção.
Esse modelo teve baixa efetividade, seja porque as metas deixavam ser representativas, não melhorando a percepção dos consumidores, seja porque fatos supervenientes colocavam em discussão o não cumprimento das metas. O resultado foi pouca melhora na prestação dos serviços de telecomunicações e grande discussão judicial sobre o valor das multas aplicadas.
Nos últimos anos, a Anatel busca um modelo de regulação responsiva, colocando a efetiva melhoria da prestação dos serviços como objetivo central da regulação, em detrimento da aplicação de sanções, que não trazem benefícios palpáveis aos consumidores.
Logo, ao determinar a obrigação das ouvidorias, a Anatel segue esse novo caminho. Faz com que as empresas aumentem os canais de relacionamento com os consumidores, orientando a entrega de mais eficiência no atendimento ao consumidor.
Além disso, espera-se uma melhora no desempenho do primeiro atendimento, pois a ineficiência deste, causará uma sobrecarga na própria ouvidoria. Por fim, é importante esclarecer que o atendimento da Anatel ao cidadão continuará o mesmo. Seja pelo Anatel Consumidor, seja pela Ouvidoria da Agência Reguladora, o cidadão poderá apresentar sua demanda a qualquer tempo.
A diferença é que, com a nova medida, o regulador reforça que a obrigação do atendimento eficiente ao cidadão é responsabilidade primeira das empresas prestadoras dos serviços de telecomunicações.
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