Conta-se que há coisa de uns 200 anos uma comunidade de judeus estabeleceu-se na cidade de Vila Rica, em Minas Gerais. Para evitar perseguições religiosas, comuns naquela época, eles decidiram esconder sua origem e credo religioso – deram à comunidade o nome de “Fiéis de Deus”.
Segundo consta, quando um membro dessa comunidade caía gravemente doente, os demais ficavam com medo de que ele, às portas da morte, se revelasse adepto do judaísmo. Para evitar que isso acontecesse era logo chamado um abafador.
Sobre a função dos abafadores, assim ensina o historiador Elias José Lourenço: “Ele afastava do quarto do doente as pessoas da família, encostava a porta e começava a operação. Punha um crucifixo nas mãos do doente, passava os braços pelas costas e aplicava o joelho contra o tórax. À medida que ia aumentando a compressão contra o peito do moribundo, asfixiando-o, em voz alta, para ser ouvido de fora, ia dizendo: ‘Vamos, meu filho! Nosso senhor está esperando!’ Quando o paciente exalava o último suspiro, o abafador compunha o corpo, chamava as pessoas da família e lhes comunicava que o fulano havia morrido ‘como um passarinho’, isto é, suavemente”.
Neste início de milênio, quando já nos preparamos para ir a Marte, soa tenebrosa a idéia de esconder uma verdade usando os serviços de um abafador. Nos dias de hoje, causa-nos repulsa que uma realidade possa ser ocultada ao custo da vida e da dignidade do ser humano.
No entanto, apesar de todo esse aparente grau de civilização que alcançamos, é nos nossos dias que a atividade de abafador está em seu apogeu! Nunca esse sinistro serviço foi tão utilizado como hoje, sob as nossas vistas.
Segundo dados divulgados pela ONU, 1 bilhão de seres humanos não tem o que comer. Esse número confirma um estudo do Banco Mundial, no sentido de que 1,4 bilhão de pessoas vivem (eu disse vivem?) com menos de US$ 1,25 por dia. As consequências deste quadro são chocantes: apenas na África, 7 mil semelhantes nossos morrem por dia, vítimas da desnutrição – o suficiente para lotar uns 23 jatos de passageiros.
Esta é uma verdade que incomoda. Afinal, enquanto esses seres humanos estão morrendo por aí, sem assistência nem dignidade, com US$ 1,25 por dia, as estruturas que comandam o planeta seguem firmes na alegre gastança dos nossos recursos. Assim, apenas para ficar em alguns poucos exemplos, ao final deste ano, por dia, cada vaca europeia terá recebido US$ 3 em subsídios, cada cidadão brasileiro terá perdido US$ 1,83 com a corrupção e outros US$ 6,70 em desperdícios diversos, e cada americano terá gasto US$ 7,37 para socorrer bancos e empresas em dificuldades.
Essas tristes verdades, e tantas outras mais, causariam escândalo se fossem corretamente expostas aos olhos da humanidade. Assim, há que se solicitar os serviços dos abafadores, que nunca trabalharam tanto!
A única diferença é que nos nossos civilizados dias, como não se pode matar por asfixia toda essa massa de miseráveis, os abafadores concluíram ser melhor escondê-la e isolá-la, para que ela padeça e morra sem escandalizar ninguém.
Estarei exagerando? Não: contemple a imensa quantidade de barreiras e muros semeados por este mundo que dizemos ser tão globalizado, isolando povos, raças ou classes sociais! Atrás de cada um desses obstáculos lá está um abafador, sufocando alguma verdade cruel.
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