*Gabriel Barros
A Filósofa Djamila Ribeiro no livro Pequeno Manual Antirracista afirma que uma das diversas formas de ser antirracista é o reconhecimento de privilégios que determinadas classes sociais possuem. Dentro desses privilégios, aquele que é mais perceptível – porém ao mesmo tempo difícil de ser atacado – é o privilégio branco. É que sociedades racistas costumam negar diferenças sociais em função da raça, etnia, origem, cor, sexo etc.
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Faço essa introdução a fim de tentar explicar como o homem branco tem que se esforçar para que seja percebido como transgressor. Por conta do viés histórico secular que colocou assassinos genocidas no espectro de heróis em livros de história, esses mesmos assassinos – que em sua maioria sempre foram homens brancos -, foram apresentados automaticamente como arautos da verdade. Sendo assim, tudo que tenham falado ou feito será sempre encarado como verdade quase que absoluta e com muita benevolência, pois afinal tudo foi concebido “em prol do povo”.
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Por conta dessa narrativa histórica reforçada por intelectuais de todo o mundo ocidental, é que hoje em dia se torna uma tarefa hercúlea apontar para um homem branco e dizer: “ele é um perigo para a democracia, não deixe ele à solta ou então tudo o que conquistamos através de muita luta vai vir por água abaixo em questão de segundos”. Ora, como afinal pode ser um perigo para a democracia aquele mesmo sujeito que ajudou a fundar o seu conceito e assim promover a existência de civilizações mais “justas”?
É justamente esta falta de reconhecimento de privilégios que “facilitou” a invasão por neonazistas/neofascitas nos primeiros dias de 2021 ao Capitólio Americano, símbolo da solidez da democracia dos Estados Unidos. Afinal, brancos não parecem suspeitos! É preciso dizer que negar a existência do Congresso ou querer eliminá-lo é um ato criminoso, atenta contra os princípios basilares da democracia e do chamado Estado Democrático de Direito.
PublicidadeNão bastasse o crime contra democracia, o saldo desta invasão foram 5 mortes. E o estarrecedor, -porém de certa forma previsível- é que os criminosos não foram hostilizados pela polícia, não sofreram tratamento desumano e humilhante, pelo contrário, entraram e ficaram bem à vontade, tiraram fotos para comprovar a invasão exibindo em redes sociais o “grande feito”.
Meses atrás manifestações pedindo o fim do genocídio da população negra foram amplamente hostilizadas e vilipendiadas de diversas formas por agentes de estado. Como se fosse pouco, no mesmo dia da invasão no parlamento americano, fora noticiado que a promotoria de Kenosha, no estado americano de Wisconsin, anunciou que não denunciará o policial branco que atirou em agosto do ano passado nas costas do homem negro Jacob Blake. Episódio que desencadeou grandes protestos de rua e inflamou as tensões raciais nos Estados Unidos. O crime foi gravado e mostrava o agente Rusten Sheskey atirando a queima-roupa nas costas de Blake após ele abrir a porta de seu carro sem apresentar qualquer tipo de reação. Sete tiros foram desferidos contra o cidadão negro.
Por aqui, o “elemento” Jair, como o professor Marco Antônio Villa costuma se referir ao temporário presidente, afirmou que “se o Brasil não tiver voto impresso em 2022, vamos ter problema pior que os EUA”. É mais uma de suas inúmeras ameaças à democracia brasileira, contudo, assim como nos EUA, parece que o privilégio por ser um homem branco o mantem a salvo, quase que inimputável, ficando livre para fazer e falar o que bem entender sem ter que se preocupar com as consequências pelos seus atos.
Notas de repúdios, lamentações ou seja, lá o que for, em nada modificam a situação crítica em nosso país, é preciso muito mais do que “meras cartinhas” dizendo que as instituições são fortes e conseguem contrabalancear o jogo democrático. Existem diversos meios democráticos muito mais eficazes para por “freios” nas barbaridades proferidas pelo presidente do que notas com linguagens falaciosas eivadas de simbolismo e pouca ação.
Steven Levitsy e Daniel Ziblate no livro Como as Democracias Morrem já nos alertavam dizendo que os quatro principais indicadores de comportamento autoritário são: Rejeição das regras democráticas do jogo, negação da legitimidade dos oponentes políticos, tolerância ou encorajamento à violência e propensão a restringir liberdades civis de oponentes, inclusive a mídia. Em que pese Trump e Bolsonaro se encaixarem perfeitamente nas quatro situações elencadas, parece que os que integram as instituições tanto lá quanto cá preferem que a democracia padeça aos poucos e terminem sendo mortas tal qual as cinco pessoas no Capitólio. Hoje, é preciso muito mais que “instituições fortes” para resistir à tirania, à barbárie e ao autoritarismo de Estado.
*Gabriel Barros é negro, estudante de Direito da Universidade de Aracaju (FACAR) e atua como estagiário no Ministério Público Federal.
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