Imagine um veículo sendo conduzido em excesso de velocidade. Em seguida, pense em um sistema que registre essa infração por meio de câmeras. Na sequência entra um programa de computador que identifica o proprietário daquele veículo, emite um auto de infração e o despacha pelos correios – tudo automaticamente.
Seria esse cenário futurista demais? Não. Funciona há anos na Holanda. Aliás, o primeiro sistema de reconhecimento automático de placas de automóveis surgiu em meados da década de 1970, no Reino Unido. Em 1979 foram realizados os testes finais na mais movimentada rodovia do país, e em 1981 a polícia efetuou a primeira prisão de um ladrão de carros graças a este sistema.
Atualmente, nos EUA e no Reino Unido já estão em uso outros programas de computador dedicados a prevenir crimes. Um deles, por exemplo, é capaz de indicar se alguém está tentando furtar um carro em um estacionamento. Outro identifica condutas suspeitas e eventuais furtos em locais públicos. Em todos esses casos os suspeitos são detidos automaticamente por policiais próximos.
O uso de programas de computador para julgar o conteúdo das cenas capturadas pelas câmeras de vigilância tem sido justificado com argumentos econômicos. Sustenta-se, por exemplo, que um ser humano consegue monitorar no máximo cinco telas de vídeo simultaneamente ao longo de 30 minutos antes de distrair-se e começar a falhar – evidentemente, programas de computador não têm essas falhas.Leia também
E é assim, de computador em computador, que começamos a chegar a uma nova era, a um admirável mundo novo. Mas arrisco uma pergunta: estamos preparados para ele? Minha resposta – que me perdoem os entusiastas pela tecnologia, dentre os quais me incluo – é não.
Começo a justificar minha opinião citando o caso de John Gass. Trata-se de um motorista profissional, 41 anos de idade, residente em Massachussetts (EUA). Ele vivia e trabalhava em paz até o dia em que um programa de computador interpretou equivocadamente alguns dados e simplesmente suspendeu sua habilitação para conduzir veículos.
Este erro levou umas duas semanas para ser corrigido pelos humanos. Parece incrível, mas até uma audiência em um juizado foi necessária. Meditemos, agora, por um instante, sobre o impacto desse erro na vida pessoal e profissional daquele cidadão. Que tal nos colocarmos, por alguns momentos, no lugar dele?
Cito um outro caso, o de uma norte-americana de 21 anos, branca, moradora de Vanderburg. Ela estava em sua casa, em paz, quando por lá chegou a polícia e carregou-a sumariamente para a cadeia. Apurou-se, depois, que o mandado de prisão era dirigido a um homem negro. Enquanto não descobriram o erro, causado por um programa de computador, ela sofreu vergonhas daquelas que marcam uma vida. Uma vez mais, coloque-se no lugar dessa pobre moça por alguns instantes.
Não quero, com esses exemplos, repudiar o uso da tecnologia. Absolutamente. Apenas desejo realçar que nossas máquinas evoluem mais rapidamente que nossos primitivos corações.
A verdade, que os casos acima narrados claramente demonstram, é que mudou-se a tecnologia – mas o descaso e a despreocupação para com a dignidade alheia seguem firmes. Mudaram as máquinas, mas não os homens! A patuleia gemia ao som dos carimbos? Que passe a gemer sob o silêncio estéril dos processadores! Era torturada pelas montanhas de papel? Que o seja, agora, pelas telas de computador – deve ser mais moderno!
Deixe um comentário