Somente se o Brasil resolver de vez dar um mergulho profundo rumo à Matrix, poderá prevalecer após a CPMI dos Atos Golpistas a versão que querem os oposicionistas de que o governo Lula foi leniente e conivente e deixou que acontecessem as depredações dos três principais prédios da República.
Qualquer uma das pombas que habita o pombal da Praça dos Três Poderes (e que provavelmente voaram para longe dali naquele dia fugindo da confusão) sabe que aquela turma de verde e amarelo era a mesma que estava há meses acampada em frente ao Quartel General do Exército. O pipoqueiro que nos fins de semana fica ali no QG em frente à Praça dos Cristais sabe muito bem que o Exército posicionou dois tanques na entrada da rua para impedir que a Polícia Militar já então comandada pelo interventor Ricardo Capelli ali entrasse para prender os golpistas que, depois da arruaça, para ali teriam voltado. Todos nós sabemos do posicionamento ideológico dos empresários que financiaram tudo isso. Todos nós ouvimos os diversos discursos do ex-presidente Jair Bolsonaro estimulando a desconfiança sobre o sistema eleitoral brasileiro e o resultado das eleições.
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Enfim, reverter de tal forma a impressão da sociedade sobre o que aconteceu é algo improvável. Mas, como já dissemos por aqui, não é algo de todo impossível. Nas bolhas do mundo digital, a verdade virou, como dissemos, uma questão de escolha. Ali, como no filme Matrix, escolher o que é real ou não vai depender da cor da pílula que se tome.
Dito isso, é inevitável avaliar que o governo, ainda que ao final tenha todas as condições de vencer a corrida que vai se iniciar a partir da leitura do pedido de CPMI, largou muito mal. Primeiro, porque fez uma avaliação errada e nem queria correr. Segundo, porque quando viu que a corrida era inevitável, posicionou no grid o seu carro às pressas. Improvisa agora a preparação que encontra do outro lado o bólido oposicionista afinado e pronto.
E, finalmente, porque de fato as imagens que tornaram a instalação da CPMI inevitável são mesmo muito complicadas e deixaram o governo perplexo. O ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência general Gonçalves Dias pode ter razão ao reclamar que as primeiras imagens da sua presença no Palácio do Planalto no dia 8 de janeiro foram editadas. Pode ter razão ao questionar por que os rostos dos demais integrantes do GSI estavam inicialmente borrados e o seu não. Mas o problema é que, mesmo após a divulgação completa das imagens das câmeras de segurança, ainda continua muito difícil entender o que exatamente ele fazia ali.
O primeiro ponto que chama a atenção foi dito pelo próprio Gonçalves Dias à Polícia Federal. Ele afirma que chegou ao Palácio do Planalto por volta das 14h50 e, vendo a invasão, pediu reforço de segurança. A primeira imagem dele dentro de um elevador é das 16h18. Ele aparece ali dentro falando em um celular. No mesmo momento, um homem tenta quebrar uma porta com um extintor de incêndio.
Esse tipo de postura é a primeira coisa que causa incômodo. Embora Gonçalves Dias tenha dito que atuou ali no “gerenciamento da crise”, conduzindo os baderneiros para fora do terceiro andar, onde fica o gabinete do presidente da República, nenhuma das imagens parece mostrar um mínimo de indignação ou nervosismo do general. Bem ao contrário das imagens mais tarde que mostram a chegada de Lula e de seus ministros. Lula gesticula contrariado. O ministro da Justiça, Flávio Dino, tem uma discussão acalorada com o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro. Onde estava o general nesse momento?
Também incomoda no depoimento de Gonçalves Dias suas declarações a respeito do monitoramento do que acabou acontecendo no dia 8 de janeiro. “QUE ao ser nomeado chefe do GSI não foi tratado com o Presidente da República ou outra autoridade a respeito das manifestações antidemocráticas que estavam ocorrendo desde o resultado das eleições presidenciais em 2022”, diz o depoimento, em determinado trecho. “QUE ao assumir no dia 02 de janeiro, durante cerca de 5 dias estava ainda se ambientando as funções, haja vista que não houve passagem de função com o Ministro anterior”, diz em seguida. “QUE não tem conhecimento a respeito de ações radicais que ocorreriam em manifestação na cidade de Brasília entre 06 e 08 de Janeiro”, continua. “QUE não tem conhecimento se havia agentes de inteligência da ABIN ou outros do GSI monitorando o acampamento”, prossegue.
O depoimento segue preocupante. “QUE, indagado se recebeu informações de inteligência da ABIN a respeito do aumento de fluxo de ônibus e chegada de pessoas após 6 de Janeiro a BSB, informou que não recebeu qualquer relatório de inteligência”, diz mais adiante. Mais: “QUE as mensagens do dia 8 pela manhã constavam pessoas fazendo discursos exaltados, ameaçando invadir prédios públicos da República”. E: “QUE o compilado de mensagens não pode ser considerado tecnicamente um relatório de inteligência para produção de conhecimento para assessorar a decisão do gestor”.
Ou seja, é possível interpretar pelo depoimento do general Gonçalves Dias que o GSI foi pego de calças curtas no dia 8 de janeiro. O GSI é, como o próprio nome já diz, o órgão responsável pela segurança institucional da Presidência. E praticamente não estava monitorando o que acabou acontecendo no dia 8 de janeiro.
Se estava coalhado de bolsonaristas, houve aí o erro de não corrigir. Se a turma sob o comando do general estava ali dentro distribuindo água para os golpistas, trata-se de uma atitude que não tem justificativa e que deveria ter sido condenada.
Finalmente, se fica uma série de dúvidas sobre a presença do general, outras dúvidas ficam quanto à decisão de esconder tais imagens antes da sua divulgação agora. Por quê?
Impossível, portanto, não lembrar do título do livro de Garcia Marquez sobre Simon Bolívar. As imagens das câmeras de segurança mostram “o general em seu labirinto”. E esse labirinto é um incômodo para o governo. Basta ver as diferentes interpretações que foram dadas. O deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) disse, aqui ao Congresso em Foco, que Gonçalves Dias teria mentido para Lula sobre as imagens. Já o agora substituto interino na chefia do GSI, Ricardo Capelli, disse ao mesmo Congresso em Foco, que Gonçalves Dias “é um servidor exemplar do Exército brasileiro”.
A caminhada de Gonçalves Dias pelo Palácio do Planalto no dia 8 de janeiro é uma caminhada por um labirinto. Evitar que o destino final seja um profundo mergulho na Matrix será agora o desafio do governo.
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