Quando no final dos anos 1960, anos de chumbo no Brasil, portanto, um movimento musical denominado “Tropicalismo” reverberou a expressão “Geleia Geral”, titulo de uma composição do baiano Gilberto Gil e do piauiense Torquato Neto, música inspirada no termo criado pelo publicitário Décio Pignatari e que resumia bem o propósito do movimento, já se podia ter uma ideia de que a nossa terra Pindorama ainda reservaria experiências inusitadas ao seu povo, na replicação de misturas inusitadas.
Vivências como as que temos tido na atualidade, mais de meio século depois.
O Brasil anda misturando as estações, experimentando um amálgama que nos traz uma recorrente indagação sobre onde, afinal, iremos parar, onde bateremos com nossa nau ou se teremos, enfim, um porto seguro como chegamos a denominar na nomenclatura que nos definia na imediata fase pós-descobrimento, na identificação da primeira colônia europeia em nossas terras.
O tropicalismo foi, sim, um movimento que revolucionou o modo de fazer a música popular brasileira, exatamente com o objetivo de arejar a elitista e nacionalista cena cultural, tornando nossa música mais universal e mais próxima dos jovens.
No entanto, a mistura que vemos, presentemente, é exatamente o oposto naquilo que poderia ser indício de uma riqueza plural tão identificadora da nossa gente, tão representativa da multiplicidade de nossas origens.
A geleia geral que nos revela, hoje, é uma mistura disforme que combina universo paralelo distante da realidade fática, em expressões de um certo transtorno psicótico a partir de quem deveria ter lucidez e postura centrada na busca incessante das soluções para os graves problemas nacionais.
Leia também
A partir do Planalto Central vemos condutas condenáveis como efeito colateral do comportamento de quem demonstra incapacidade de diferenciar a experiência subjetiva da realidade externa.
Desde que começou o atual mandato presidencial, há pouco mais de três anos, temos visto uma desconexão com o mundo real, uma insistente perda de contato com o concreto, uma viagem ininterrupta de pessoas em postos de comando em direção a um universo paralelo.
Tal conduta me fez lembrar trecho dos escritos de Machado de Assis, um dos mais representativos nomes das nossas letras que, ainda no século XIX, em 1861 para ser mais exato, identificava a existência de “dois brasis”: um país real e um país oficial.
Dizia Machado: “o país real, esse é bom, revela os melhores instintos; mas o país oficial, esse é caricato e burlesco”.
Com uma rica carreira de escritor, com publicações dos mais diversificados gêneros, tendo publicado 10 romances, 10 peças teatrais, 200 contos, 5 coletâneas de poemas e sonetos e mais de 600 crônicas, Machado de Assis antevia, assim, um quadro que, hoje, indigna e revolta qualquer brasileiro ou brasileira com o mínimo de sentimento de urbanidade e fraternidade.
O Brasil real que hoje amarga a fila do desemprego e incorpora a vergonha do endividamento da família. O Brasil real que não vê a hora de dar o troco para mudar esse quadro caótico de crise econômica, na esperança de uma gente boa e trabalhadora. Tudo isso no contraponto de um Brasil oficial em que a negação da ciência e da tolerância faz construção de uma miragem a partir do céu de Brasília.
Mas permitam-me também incursionar por uma outra abordagem que pode justificar essa reedição da cena nacional: a de que a recorrência desse quadro identificador da realidade brasileira pode ter assento nas condições históricas que nunca permitiram mudança mínima no sistema de como se governa esta nação.
Em qualquer período da nossa história, é fácil ver o fluxo de poder e de onde emanam as diretrizes que ajudam a configurar uma situação, onde uma minoria decide e controla as ações, a vida e o futuro de muitos.
Enquanto um pequeno grupo decide os destinos da nação, patrocinando “dirigentes” sem qualquer aptidão gerencial, aqueles que por esse grupo são escolhidos brincam de “metaverso”, imbuídos da construção de debates estéreis, com temas nos costumes, criação de factoides e na proliferação de fake news.
Mas neste ano de 2022, 161 anos depois da frase de Machado de Assis, teremos, de novo, a oportunidade de promover o reencontro de nossa gente com o Brasil real. Teremos a oportunidade de debater o futuro da nação e sobre como construiremos uma ponte em direção a uma comunhão entre real e oficial.
Minha esperança está embalada em outra canção tropicalista, de autoria de Caetano Veloso que dizia: “… E uma canção me consola. Eu vou…
Por entre fotos e nomes
Sem livros e sem fuzil
Sem fome, sem telefone
No coração do Brasil”!!!
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.
Deixe um comentário