O fenômeno não é novo, mas tem se agravado e possivelmente irá se agravar no futuro próximo. O nome e endereço dos perdedores são conhecidos. Também é conhecido o seu perfil: são os jovens mais pobres, quase sempre com escolaridade incompleta ou deficiente. Com a pandemia, o problema deverá se agravar.
Um minucioso levantamento realizado pela consultoria IDados, divulgado com destaque por veículos como o Jornal Nacional e o jornal O Estado de S. Paulo, oferece informações atualizadas que contribuem para uma análise de alguns aspectos dessa complexa e dolorosa questão.
No Brasil, há cerca de 50 milhões de jovens entre 15 e 29 anos de idade – esse grupo representa quase 25% do total da população. E também representa o futuro. É sobretudo deles que o país vai depender nos próximos 30 a 40 anos para produzir os bens e serviços de que necessitamos.
Desses 50 milhões, 11,6 milhões pertencem ao grupo dos “nem nem”- nem estudam nem trabalham – cerca de 23,7% do total, ou seja: quase ¼ do total de jovens entre 15 e 29 anos. Dentre os restantes 38,4 milhões, há os que só estudam, os que só trabalham e os que estudam e trabalham.
A expectativa para essa faixa etária seria a de que jovens de até 17 anos estivessem concluindo o ensino médio, e uma proporção razoável de jovens de até 25 anos – 30 a 50% – já tivessem concluído o curso superior. Também seria razoável esperar que a maioria desses jovens estivesse apenas estudando.
Qual é o problema? Por que esse problema é grave? Existem soluções conhecidas? Essas soluções requerem leis especiais? Vejamos os dados. Concentremo-nos em dois problemas particularmente agudos.
Primeiro, no conjunto de jovens entre 15 e 29 anos, há um número significativo que não concluiu o ensino médio – inclusive há muitos jovens com 15 e 16 anos que já abandonaram a escola, muitos deles sem ter concluído sequer o ensino fundamental.
Este é um problema grave na medida em que esses indivíduos serão menos produtivos, terão maior dificuldade para encontrar e permanecer no emprego e, quando o conseguirem, terão menos estabilidade e menores rendimentos.
Para evitar ou mitigar esse problema, existem ações preventivas possíveis no âmbito do setor educacional. Uma delas é promover esforços para evitar a evasão escolar. Uma das formas eficazes para aumentar a retenção seria melhorar a qualidade do ensino fundamental e tornar as séries finais mais interessantes.
Uma outra seria promover uma efetiva reforma do ensino médio, com uma vigorosa vertente de educação técnico-profissional realizada por instituições especializadas e com fortes vínculos com o mercado de trabalho. Aqui há espaço para reformas pontuais, mais importantes, inclusive pequenos ajustes na lei da reforma do ensino médio de 2017.
O segundo conjunto de problemas se refere ao elevado número de jovens que, tendo ou não concluído o ensino fundamental, médio ou superior, dificilmente irá voltar para a escola e se encontra fora do mercado de trabalho.
Sabemos que, em situação normal do mercado de trabalho, os mais jovens e menos experientes são os últimos a conseguir emprego e os primeiros a sair dele. Também sabemos que os que trabalharam apenas no setor informal têm mais dificuldade de obtenção de emprego formal. Em situações de crise, essa situação se agrava.
Esses são problemas complexos e que dependem sobretudo de medidas macroeconômicas e outras que estimulem a economia e a produtividade das empresas. Mas tais medidas esbarram com o nível de competitividade do país e das tecnologias que o setor produtivo de cada país é capaz de absorver e implementar.
Nem todas as tecnologias geram empregos – e algumas delas até contribuem para reduzi-los. Ademais, num mundo cada vez mais interdependente, o espaço que cabe para decisões de cada país, nesse aspecto, se torna cada vez mais limitado. E há um círculo vicioso entre o baixo nível de educação da população e as decisões de adotar tecnologias menos complexas, reforçando o “círculo vicioso das baixas habilidades”.
Medidas emergenciais dificilmente produzem qualquer impacto significativo. A mais popular de todas – promover a “qualificação” das pessoas por meio de cursos de capacitação – é a menos eficaz. O mesmo ocorre com incentivos para a criação artificial de empregos.
Porém, grandes investimentos públicos podem ter impacto, dependendo do local e da qualidade dos empregos gerados e dos esforços para qualificar a mão de obra no processo de implementar esses empreendimentos.
Por outro lado, os dados divulgados no referido estudo da consultoria IDados mostram que há diferenças regionais e diferenças dentro de regiões. Há estados, como Santa Catarina, por exemplo, com cerca de 13,1% de jovens qualificados como “nem nem”. Mas há estados como o Maranhão, com mais de 36%.
Na região Sudeste, todos os estados se situam em torno de 20%, exceto o Rio de Janeiro, com mais de 26% de jovens “nem nem”. Esses dados sugerem que há um razoável espaço para iniciativas e políticas locais – e que, portanto, independem de legislação federal.
Também há evidências de que indivíduos que obtêm o primeiro emprego formal logo depois de concluir os estudos e nele permanecem por um prazo de pelo menos dois anos possuem uma trajetória mais positiva ao longo de sua vida produtiva.
Aqui há espaço para uma ação legislativa vigorosa – e que poderia ser antecedida por experimentos rigorosos para calibrar o nível adequado de incentivos. Esse tipo de medida certamente não aliviará o drama dos milhões de jovens nessa situação, mas, se conseguirmos fechar a torneira, evitando o surgimento de novas legiões de “nem nem” já terá sido um grande avanço. Ao mesmo tempo serviria como forte incentivo para os atuais alunos concluírem os seus cursos.
Fica a sugestão de pauta para o debate a ação parlamentar.
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