Dia desses, distraidamente, comecei a reparar a imensa quantidade de cones que passou a integrar o nosso cotidiano. Alguns são pacatos, daqueles utilizados para sinalizar obras e desvios em nossas ruas. Trata-se, na verdade, de cones infelizes, que vivem sujos, expostos ao tempo. Vez por outra acabam atropelados por algum motorista mais desatento. Não, não será desses cones que falaremos. A eles só nos resta manifestar nossa simpatia e solidariedade.
É hora de falarmos de outros cones – aqueles que bloqueiam os acessos à grande maioria dos nossos prédios públicos. Lá estão eles, impávidos, guardando todas as entradas e saídas. Andam sempre limpos, impecáveis em suas listras brancas e vermelhas; não me lembro de ter jamais visto um deles sujo ou descomposto.
Não julgue esses cones pelo tamanho. A força deles não é física, é moral. Cada cone desses projeta em torno de si uma barreira intransponível, que pobres mortais não ultrapassam impunemente.
Cada um desses cones tem à disposição um humano, encarregado de mudar-lhe o lugar de vigília sempre que alguma autoridade superior necessitar passar. Concluída a passagem, no entanto, lá estará o cone de volta, inflexível em seu poder. Por conta de prestarem tão relevantes serviços, a esses cones é dispensado um tratamento especial – eles sempre são objeto de inspirados cuidados por parte dos administradores.
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Enquanto isso, no ano de 2004, a Controladoria-Geral da União (CGU) detectou irregularidades no uso de verbas públicas em 73% dos municípios. E lá está, à entrada das entidades públicas suspeitas, o cone – ele, sempre ele, limpo e impecável.
Segundo um estudo do Banco Mundial, o Brasil está em 122º lugar entre 178 países pesquisados sobre a extensão da carga burocrática. Por conta dela nossas empresas gastam 2.600 horas por ano só no cumprimento de exigências fiscais. É um recorde mundial. Na China, por exemplo, são apenas 584 horas por ano. E lá está, à porta dos órgãos que criaram todos estes entraves, ele! O cone! Brilhando e brilhante em sua tarefa de sinalizar aos leigos que há algo superior após ele.
Em 2007, o Tribunal de Contas da União (TCU) identificou 400 obras paralisadas no país, após terem consumido R$ 2 bilhões – e este foi um avanço. Em 1995, eram 2.214 obras inacabadas, que já tinham custado R$ 15 bilhões de verbas públicas. Bem, pode ser que as obras não estejam merecendo os devidos cuidados. Mas, lá na frente de cada órgão responsável por elas, não se descuida nem por um momento dele – do cone, claro! Ei-lo sempre bonito e fagueiro, algumas vezes até com a sigla da repartição que tão majestosamente protege.
A ineficiência das nossas leis custa, segundo cálculos do Idesp, uns bons US$ 100 bilhões a cada ano. Estimou-se que o Brasil tem uma perda acumulada de 20% ao ano no crescimento da economia só por não ter um sistema legal eficiente. E eis que, no meio desses números, agiganta-se a figura pequenina na matéria, mas imensa no simbolismo, do cone – sempre atento à porta das instituições, e objeto dos mais eficientes cuidados por parte dos humanos encarregados de assisti-lo.
Fico a imaginar no que um desses cones falaria se a ele fosse dado o poder de expressar-se! Talvez dissesse, a algum cidadão desatento que ousasse tentar passar por ele sem observar a devida cerimônia: “Meu nome é Cone. Agente Cone”.
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