Nas últimas semanas entrou novamente em debate uma questão que já ouvimos falar muito em 2019, a volta da CPMF. O governo diz que não tem nada a ver com esse tributo extinto em 2007, mas fato é que eles seriam bem parecidos, o novo imposto incidiria sobre as transações financeiras, mas por que isso é ruim?
Antes de entendermos os contras desse tipo de proposta vamos dar uma olhada nos prós. Não são muitos, mas um em particular é raro de se ver no Brasil, a simplicidade. Sim, o imposto sobre transação financeira, CPMF, ou como quer que o chame, é um tributo extremamente simples e de fácil arrecadação, basta você fazer uma transferência bancária e uma pequena parcela do valor da transferência vai para os cofres da República.
Todavia, a simplicidade não é o único fator que determina se um tributo é bom ou não. Na Inglaterra, em 1696, passou a vigorar um imposto que incidia sobre o número de janelas de uma casa. Ora, é um imposto simples e até mesmo progressivo, uma vez que a alíquota aumentava nas faixas de 10, 15 e 20 janelas. O resultado? Com o tempo as casas passaram a ter 9, 14 e 19 janelas.
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Algumas deixaram de ter janelas, uma vez que grandes imóveis com vários apartamentos eram considerados como uma só construção. A falta de iluminação e ventilação levou a uma série de problemas sanitários e a arrecadação do tributo foi caindo, conforme as pessoas concretavam suas janelas. Assim como o imposto sobre janelas, também precisamos avaliar outras características do imposto sobre transação financeira que vão além de sua simplicidade. Um indício de que esse tributo pode ser mais danoso do que benéfico é o fato de que não é adotado por nenhum país desenvolvido. Na verdade, o único que já adotou foi a Austrália e logo voltou atrás, assim como o Brasil.
Uma das características mais danosas desse imposto é o fato de que ele se acumula ao longo da cadeia produtiva e isso favorece alguns setores em detrimentos de outros. Vamos tentar exemplificar isso e deixar mais palatável. Quanto mais desenvolvida for uma indústria, mais etapas na sua cadeia de produção ela terá e em cada etapa será agregado valor ao produto. As economias mais modernas cobram impostos apenas no que foi agregado em cada fase da produção, o chamado IVA (Imposto sobre Valor Agregado), que em tese é como deveria funcionar nosso ICMS. No caso da CPMF, o imposto se incorpora ao custo e não é possível você gerar um crédito daquele tributo já pago, fazendo com que na próxima etapa de produção você pague imposto sobre imposto.
Setores que exportam tendem a ser prejudicados, pois hoje a exportação é livre de impostos (não faz sentido exportar imposto), mas com a CPMF incidindo sobre a cadeia do produto exportado não será possível desonerar a exportação e o produto brasileiro ficará menos competitivo no mercado internacional. Já setores onde não há uma longa cadeia produtiva, isto é, o produto não vai sendo modificado diversas vezes até chegar ao consumidor final, tendem a ser beneficiados, pois o produto final teria menos impostos acumulados. É o caso de bens primários (o sujeito que colhe banana e vende ao consumidor final, só há uma transação aqui) e serviços (um serviço prestado por um advogado diretamente para o cliente também só será taxado uma única vez, no ato de pagamento). Veja que isso pode distorcer a alocação de recursos da economia, os setores menos onerados conseguirão ter uma taxa de lucro maior e atrair mais investimentos, não por serem mais produtivos ou inovadores, mas simplesmente por terem sido beneficiados pela decisão de um burocrata.
Outro problema é que, assim como as pessoas passaram a concretar suas janelas na Inglaterra no século 17, as pessoas vão reagir a esse imposto deixando de utilizar os meios eletrônicos para transferir dinheiro, voltarão a usar papel moeda, um grande incentivo a desbancarização, que já é elevadíssima no Brasil. A ideia de substituir a arrecadação da folha de pagamentos com a implementação desse imposto é extremamente arriscada, a alíquota terá que ser muito alta para que essa substituição aconteça e quanto mais alta, maior a propensão das pessoas a encontrarem formas de não pagar e a arrecadação cair.
Por fim, também é bom rechaçarmos o engodo de que a alíquota seria pequena e que se todos contribuírem com pouquinho não há mal algum. Pois é, pode até começar assim, mas como bem nos lembrou o ex-ministro Maílson da Nobrega em recente entrevista à CNN, o que a experiência nos mostra é que tributos que são fáceis de arrecadar, como é o caso da CPMF, são justamente as válvulas de escape que o governo procura em momentos de crise. Em 1934 criamos o Imposto sobre Vendas e Consignações (IVC) que era cumulativo, assim como a CPMF.
No início era mísero 0,5%, décadas mais tarde, ao ser extinto, já estava em 10% em alguns estados. Entendo a dificuldade que o governo enfrenta com as contas públicas e a geração de empregos, mas se faz necessário analisar o sistema tributário como um todo, entender onde tributamos muito, onde tributamos pouco e quais as consequências disso. Apelar para a criação de mais um imposto só por ser de fácil arrecadação com certeza não é o caminho. O papel dos governantes é justamente ter habilidade e a coragem de tomar as decisões mais difíceis.
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