O embate em torno das eleições presidenciais de 2022 já domina o cenário político. Uma das mais importantes facetas dessa realidade é a retomada, com força, da temática do combate à corrupção. Ao lado da pandemia do coronavírus e seu enfrentamento, a corrupção e as mais variadas formas de malversação da coisa pública voltaram para o centro do debate político.
São temas recorrentes no noticiário eleitoral, entre outros: a) a despudorada associação entre Bolsonaro e o Centrão (nada mais de gritar “pega …”); b) as peripécias envolvendo as dezenas de bilhões de reais das emendas do relator e o “orçamento secreto”; c) as “rachadinhas” e as fortes suspeitas de lavagem de dinheiro de importantes membros da família presidencial; d) as referências aos “presidiários”; e) a derrocada da “Operação Lava Jato” e f) o sempre lembrado mensalão, protagonizado, principalmente, por figuras exponenciais do PT, PP, PL, PTB e PMDB.
Nesse cenário, despontou o ex-juiz Sérgio Moro como uma grande novidade eleitoral. Na condição de mais relevante nome da “Operação Lava Jato”, Moro explora com intensidade a temática do combate à corrupção. Nessa toada, o ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro apresentou uma inusitada proposta de criação de um tribunal especial (ou excepcional) para julgar acusados de corrupção.
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A proposição provoca (ou provocaria) um interesse debate em torno na perspectiva de sua constitucionalidade. Ademais, insiste na equivocada lógica de centrar o combate à corrupção e malfeitos correlatos no caminho da repressão. Afinal, é relativamente fácil perceber que a supressão do corrupto de hoje, sem desmonte das condições sociais e institucionais geradoras dos ilícitos, apenas abrirá espaço para o corrupto de amanhã.
O mais eficiente combate à corrupção passa longe: a) de uma simplória cruzada moral contra os degenerados detratores da moralidade e patrimônio públicos; b) da busca por mitos, messias, heróis ou salvadores da Pátria e c) de pirotécnicas operações policiais e judiciais (que podem “cair” com uma penada depois de vários anos de esforços e despesas). O longo e trabalhoso processo de combate à corrupção e malversações congêneres deve ser centrado fundamentalmente na criação de instrumentos que cortem o oxigênio dos malfeitores. Em outras palavras, os mecanismos sociais e institucionais no campo da prevenção são as mais poderosas armas nessa seara, sem descurar, nos níveis adequados, da detecção, investigação, punição e monitoramento.
Observe-se como a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (n. 14.133/2021) deu importantes passos no aperfeiçoamento institucional do processo de combate à corrupção e atos assemelhados. Foram previstas, inclusive no âmbito do capítulo destinado ao “Controle das Contratações”: a) práticas contínuas e permanentes de gestão de riscos e de controle preventivo, inclusive mediante adoção de recursos de tecnologia da informação; b) a abertura ao controle social; c) a fixação de três linhas de defesa: c.1) servidores e empregados públicos, agentes de licitação e autoridades que atuam na estrutura de governança do órgão ou entidade; c.2) unidades de assessoramento jurídico e de controle interno do próprio órgão ou entidade e c.3) órgão central de controle interno da Administração e pelo tribunal de contas.
Infelizmente, a comemoração de avanços institucionais, como a edição da referida nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, no combate às malversações em relação a coisa pública foi logo abafada pela edição da Lei n. 14.230, também em 2021. A nova Lei de Improbidade Administrativa, aprovada sem vetos, depois de amplo acordo parlamentar envolvendo o governo, o Centrão e o PT, viabiliza o mais forte golpe no difícil processo de combate à corrupção no Brasil. A grande maioria de suas 192 alterações legislativas foi cuidadosamente pensada para dificultar ao máximo a caracterização e punição pela prática de atos de improbidade administrativa.
A corrupção é um dos grandes problemas do Brasil, mas não é o maior deles, como afirma o candidato Sérgio Moro. Nossa maior maleza reside nas profundas desigualdades sociais e na extrema pobreza decorrente. Não é a corrupção que produz as desigualdades socioeconômicas e a pobreza inaceitável, como a sua pior faceta.
A pobreza, no Brasil, resulta basicamente da falta de renda suficiente para que dezenas de milhões de brasileiros tenham uma vida digna. A corrupção no setor público afeta, em certa medida, o emprego de recursos nos serviços públicos fundamentais. Importa, portanto, afirmar com todas as letras que a pobreza nos níveis destacados está diretamente relacionada com o capitalismo selvagem praticado no Brasil. Um capitalismo que subtrai, pela forma como funciona, um patamar mínimo de renda para a maioria da população brasileira.
“O Brasil permanece um dos países com maior desigualdade social e de renda do mundo, segundo o novo estudo lançado mundialmente nesta terça-feira (7/12) pelo World Inequality Lab (Laboratório das Desigualdades Mundiais), que integra a Escola de Economia de Paris e é codirigido pelo economista francês Thomas Piketty, autor do bestseller O Capital no Século 21, entre outros livros sobre o tema. (…) O estudo se refere ao Brasil como ‘um dos países mais desiguais do mundo’ e diz que a discrepância de renda no país ‘é marcada por níveis extremos há muito tempo’ ” (fonte: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59557761>).
A campanha eleitoral de 2022 pode, e deve, ser um importante momento no caminho da conscientização política de que não estamos, na essência, diante da disputa por nomes (e suas simpatias e antipatias), fantasias, fantasmas, lados ou cores. Importa identificar as causas estruturais das mazelas que assolam o Brasil por décadas (séculos, a rigor) e formular projetos populares e democráticos de superação desse estado de coisas profundamente injusto e violador da dignidade humana (da dignidade de dezenas de milhões de brasileiros que não merecem, nem precisam, serem privados até mesmo da alimentação diária).
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