Desde que o mundo é mundo, a sociedade busca a melhor forma de conduzir seus destinos. Para que a vida compartilhada por pessoas e segmentos sociais diferentes seja possível é inevitável a construção de um conjunto de regras, instituições, práticas, ritos, consensos e pactos. Da Eclésia grega até a configuração das democracias contemporâneas, experimentamos as mais variadas formas de dirigir os assuntos e os negócios de Estado.
A grande ideia vitoriosa no século XXI é a da liberdade. A concepção de que a democracia é um valor permanente e universal consolidou-se como amplamente hegemônica.
A democracia, como invenção humana, é, por definição, imperfeita. Mas carrega uma dinâmica autocorretiva por meio de um contínuo processo de tentativa, erro, síntese e avanços.
Isso pressupõe um acordo onde múltiplos atores aceitam e legitimam a diversidade de visões e erguem um pacto de respeito mútuo e observância das regras do jogo. Portanto, democracia não é o governo da maioria eventual para seu exercício absoluto e ilimitado. É o governo da maioria que respeita e reconhece a minoria. Não pode existir espaço para que o jogo se assemelhe à ironia fina de Millôr Fernandes: “Democracia é quando eu mando em você; ditadura é quando você manda em mim”.
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Dentro da dinâmica democrática assumem centralidade a independência dos poderes, a Constituição como lei maior, a alternância no poder e a liberdade como valor permanente, ela sim absoluta. E é no Congresso que pluralidade e diversidade se manifestam. Lá é a casa onde maioria e minoria se encontram, dialogam, digladiam, polemizam, debatem e deliberam. Nenhum governo eleito pode tudo. Há limites constitucionais, legais e institucionais. E há limites políticos que demandam a formação de maioria parlamentar para as coisas avançarem.
No processo de formação da maioria necessária vários caminhos se combinam: capacidade de liderança, clareza do rumo, persuasão, convencimento, cooptação, negociação, autoridade, habilidade, sensibilização e mobilização da opinião pública. Não há presidente da República ou primeiro-ministro que possa, na democracia, governar solitária e unilateralmente. No mais longo período democrático de nossa história (1985/2019) já ocorreram dois impeachments por falta de apoio parlamentar: Collor (1992) e Dilma (2016).
Ainda assim, a democracia brasileira se demonstra sólida e consolidada, exatamente em função da alternância no poder e do respeito e convivência entre os diferentes. Já tivemos a esquerda no poder (Lula e Dilma), em outros momentos governos de centro (FHC, Sarney, Itamar e Temer), e agora um governo assumidamente de direita. E o país, mal ou bem, continua funcionando, as instituições estão fortalecidas e a Constituição é a baliza. Como disse o ministro Raul Jungmann certa vez: “dentro da Constituição, tudo, fora dela, nada”.
Volto ao assunto na próxima semana. O jogo começou. O presidente Jair Bolsonaro tomou posse. Sua equipe começa a esboçar as primeiras propostas. Rodrigo Maia se elegeu, por larga maioria, presidente da Câmara dos Deputados. David Alcolumbre, em tumultuado processo, foi alçado à presidência do Senado Federal.
O sucesso ou o fracasso do projeto governamental dependerá de sua capacidade de formar maioria. E essa não é tarefa trivial e simples. Assunto para o próximo sábado.
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