Em março de 2004, no primeiro governo Lula, o PT divulgou uma nota crítica pedindo mudanças na política econômica. O ministro da Fazenda era Antonio Palocci. Começava um ano de eleições municipais, e o partido temia os efeitos das medidas de austeridade nas campanhas. A taxa básica de juros, por exemplo, era de 25,5%, patamar que faz parecer civilizadíssimos os atuais 11,75%. Na época, o Banco Central não era independente, mas Palocci estava no alvo do fogo amigo.
“O PT propõe que o governo faça uma inflexão maior na política econômica no sentido de priorizar as tarefas e as medidas voltadas para a retomada do desenvolvimento, com geração de emprego e distribuição de renda”, dizia o documento. O então ministro do Trabalho, Luiz Marinho, afirmava que o partido convenceria Palocci a mudar de rumo — “nem que seja na marra”.
Quase vinte anos depois, o PT mostra que continua insatisfeito com seu governo, o quinto nesse período. Em reunião no último fim de semana, aprovou novo documento com críticas à política econômica do ministro Fernando Haddad, que tenta “zerar” o déficit nas contas públicas. “O Brasil precisa se libertar, urgentemente, da ditadura do BC ‘independente’ e do austericídio fiscal, ou não teremos como responder às necessidades do país”, afirmam os petistas, novamente preocupados com as eleições municipais.
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A presidente do partido, Gleisi Hoffmann, expôs as críticas diante do próprio Haddad. “Eu acho que sinceramente a gente não tinha que se preocupar com resultado fiscal ano que vem. Por mim, faria um déficit de 1%, 2%; não iria mexer na economia”, afirmou no evento. Propôs aumento do gasto público: “Do ponto de vista econômico, o instrumento que temos hoje para usar é a política fiscal. É o Estado forte, é o Estado indutor, é o Estado que gasta […] porque senão vamos ficar na mão de Banco Central, na mão desses liberais de mercado. Então é isso, queria só colocar isso, Haddad, que a preocupação é essa.”
A fala de Gleisi coincide com declarações do próprio Lula, que também já disse não se importar com algum déficit no caixa do governo. Na última terça-feira, ele voltou ao assunto, afirmando que endividar o país para crescer é uma decisão política, e não fiscal. “Se for necessário esse país fazer um endividamento para o Brasil crescer, qual é o problema?”, questionou. Há 20 anos, Lula endossou a política de Palocci, assim como agora, apesar das declarações dúbias, tem arbitrado disputas internas em favor de Haddad. Segue, no entanto, estimulando o dissenso, sem que fique claro qual ganho político — ou econômico — possa ter com essa estratégia.
Em 2004, apesar do arrocho monetário, Lula foi um grande cabo eleitoral, e o PT elegeu 409 prefeitos, sendo seis em capitais. Na última disputa municipal, em 2020, ficou restrito a 189 prefeituras; nenhuma capital. Com algumas adesões ao governo, vai às urnas no próximo ano no comando de 227 cidades. O mundo e a política, porém, mudaram muito, e nada garante um resultado espetacular para o partido, que parece apostar tudo em Lula e no poder do Orçamento público para crescer.
Diante das críticas ao governo e das inquietações eleitorais, Lula preferiu devolver a bola ao partido, em vez de fazer coro ou de assumir alguma responsabilidade pelos infortúnios — em outro sinal de ambiguidade. “Nós temos que nos perguntar por que um partido que, muitas vezes no discurso pensa que tem toda a verdade do planeta, só conseguiu eleger 70 deputados? Por que tão pouco se a gente é tão bom? Por que tão pouco se a gente acha que a gente poderia ter muito mais? É preciso que a gente tente encontrar resposta dentro de nós”, disse o presidente, recomendando aos companheiros que busquem um discurso mais convincente para falar com o povo.
No quinto governo e com muitas crises no currículo, o PT não consegue abandonar a retórica oposicionista e segue confiando em Lula como salvador da Pátria. Como o presidente conhece o partido que criou, o conselho para refletir no divã parece oportuno.
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