Luiz Felipe da Rocha*
Jair Bolsonaro foi à ONU e lá teve um palanque privilegiado para seus devaneios. Tentou vender um Brasil inexistente e questionou o porquê dos demais países não terem adotado o tal do “tratamento precoce”, que nada mais é do que uma perigosa ficção. Passou os vexames de ser o único líder não vacinado, de ser impedido de entrar em restaurantes e de ter seu ministro da saúde – de atitudes intempestivas – diagnosticado com Covid-19. Sem restaurantes, teve que digerir uma singela pizza vendida na calçada, uma descompostura passada pelo primeiro-ministro Boris Johnson e um pito do prefeito Bill de Blasio.
É útil dividirmos a triste viagem a Nova York entre o aparente e os reais motivos das atitudes tresloucadas de Bolsonaro. Politica é, afinal, um jogo de luz e sombras.
Eis o que sabemos: Bolsonaro ignorou as recomendações do Itamaraty e escolheu ouvir seus filhos. O trio de rebentos é um novo Cérbero, personagem mítico representado por um cão feroz de três cabeças que guarda o inferno. No caso, os três são as cabeças raivosas e incultas que guardam a entrada do infernal governo Bolsonaro, reino da corrupção e da incompetência. Bolsonaro fez um discurso para suas bases políticas, insistindo em soluções imaginárias para a pandemia da Covid-19. Passou vergonha diante do mundo.
Eis o que ainda está no escuro, mas deve ser levado à luz: Bolsonaro, incapaz de pensar, relega tal tarefa a seus ideólogos. A base do pensamento bolsonarista jaz em uma corrente de pensamento que vê na ONU e em demais organismos multilaterais ameaças à soberania dos países. Para eles, tais organizações tiram o poder decisório dos Estados, transferindo-o a uma assembleia de burocratas que não foram eleitos e que não prestam contas a ninguém. Tal assembleia pode decidir – e muitas vezes decide – com base nos interesses de uma elite global, que é avessa aos interesses populares.
Seguindo tal linha, percebemos que causar uma boa impressão diante da assembleia da ONU e buscar fortalecer os mecanismos multilaterais não está no interesse do bolsonarismo. Para sua base de fanatizados, não há vantagem alguma na cooperação multilateral; pelo contrário, ela representa subserviência.
Além do óbvio fato de que tal tendência de pensamento político ignora que o multilateralismo e o sistema da ONU foram um dos principais responsáveis pela paz e prosperidade do pós-guerra – período em que, com todos os vários e profundos problemas, atingimos patamares antes impensáveis de desenvolvimento -, é preciso lembrar que potências regionais e periféricas, como o Brasil, não têm força o suficiente para negociar em condição de igualdade com países desenvolvidos. Dependemos do multilateralismo para a nossa própria segurança e prosperidade. Para um país como os Estados Unidos, ir contra o multilateralismo é uma estratégia duvidosa; para o Brasil, é suicida.
Evidentemente, nada disso interessa a Bolsonaro. Espremido por índices crescentes de inflação, baixo crescimento e desemprego – uma receita econômica que torna impossível a reeleição – o presidente se vale da arma que tem: a radicalização de suas bases. Assim, promove atos grotescos, como os do dia 7 de setembro e faz contínuas ameaças no sentido de uma ruptura institucional, o que ele não tem força nem coragem para fazer. Tais ameaças levam ao delírio as viúvas do regime militar, época mítica em que reinava a paz e a prosperidade (até que alguém ousasse discordar do governo, claro).
Para azar do Brasil, esta tendência deve aumentar nos próximos meses. A cada nova pesquisa que mostra o derretimento do apoio popular do governo – o que atiçará ainda mais o lulopetismo, ansioso por reinstaurar a cleptocracia da esquerda – Bolsonaro mostrará sinais de radicalização, que ora serão explícitos e ora serão na linguagem cifrada com que muitas vezes gosta de se comunicar com sua base. Insuflados, as viúvas da ditadura voltarão às ruas.
Evidentemente, nenhum investidor internacional vai pôr dinheiro em um país que, além das graves fragilidades estruturais, tem um quadro de instabilidade institucional. O fechamento da torneira de investimentos gerará maior crise orçamentária, mais endividamento e mais inflação, o que tornará Bolsonaro ainda mais desesperado e radicalizado.
Viveremos neste ciclo infernal até as eleições de 2022, quando o lulopetismo nos será vendido como a única alternativa. Considerando os documento programáticos do PT, porém, teremos um lulopetismo bem mais rígido, com sanha de “intervenção” (eufemismo para medidas autoritárias e aparelhamento) no Judiciário, no Ministério Público e na imprensa. O PT nunca admitiu que o seu governo fosse contestado por meio do sistema de freios e contrapesos. Em seus delírios, classifica tais sistemas como uma forma de controle das “elites”, outro eufemismo, desta vez a indicar os que se opõem ao partido.
Em bom português: estamos fritos. Ou construímos uma terceira via unificada e que seja eleitoralmente viável ou seremos prensados entre dois projetos de poder hostis aos interesses brasileiros.
*Luiz Felipe da Rocha Azevedo Panelli é advogado e assessor parlamentar. É doutor em direito do Estado pela PUC-SP.
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