O ano novo começa sob o signo da disputa eleitoral e, com ela, a expectativa de crescimento exponencial do radicalismo nas ações dos candidatos e seus seguidores e da disseminação em massa de informações falsas através das redes sociais, mecanismo já incorporado como arma trivial nos confrontos políticos. O período eleitoral ainda nem foi oficialmente aberto mas já é possível prever que os candidatos ou coligações que melhor manipularem os recursos oferecidos pela tecnologia para a produção e disseminação de fake news serão os grandes vencedores do pleito. E tudo sob o manto protetor da impunidade, já que as medidas protetivas anunciadas pelas autoridades judiciárias encarregadas de zelar pela lisura do pleito não passam, até aqui, de manifestação de intenções.
Declarações – aparentemente – ameaçadoras, como a do futuro presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, de que “se houver (em 2022) repetição do que houve em 2018, haverá cassação e prisão”, tendem a cair no vazio diante dos precedentes registrados nessa área. Há duas semanas, a Polícia Federal enviou manifestação ao Supremo Tribunal Federal – onde corre o inquérito das fake news, que o presidente Jair Bolsonaro teve uma atuação “direta e relevante” na disseminação de notícias falsas sobre a segurança das urnas eletrônicas. Mas não há notícia, rumor ou promessa de que Bolsonaro e sua gangue sofram qualquer punição ou enfrentem qualquer punição que pelo menos arranhe suas pretensões eleitorais.
Pelo contrário. O “gabinete do ódio”, identificada e comprovada organização criminosa em ação em plenas dependências do Palácio do Planalto para demolir reputações e impor a agenda política bolsonarista em todos os campos, através da difusão e impulsionamento massivo de informações falsas, continua intacta. Não há notícia de que qualquer dos seus integrantes, entre os quais apontam-se os próprios filhos do presidente, tenham sido atingidos por algum tipo de punição.
O horário gratuito murchou. As redes sociais bombaram!
Diante do quadro de tamanha impunidade, é fácil prever que a mentira em suas mais diversas formas e manifestações tem todas as chances de ser a grande vencedora na eleição de outubro. Um exemplo bem simples para ilustrar um pouquinho as afirmações acima é a decisão estapafúrdia e decisivamente perigosa de proibir-se a divulgação de pesquisas às vésperas da eleição por institutos regulares, com dados auditáveis e utilização de cuidados científicos na aplicação dos questionários. Como afirma a CEO da Inteligência em Pesquisa e Consultoria – Ipec, Márcia Cavallari, decisão como essa “abre espaço para a circulação de supostas pesquisas nos grupos sociais, nas redes sociais e grupos de WhatsApp, gerando aí espaço para as fake news”.
Num país onde o número de usuários de redes sociais alcança o patamar de 70,3% da população, pode-se aquilatar o impacto que as informações – verdadeiras ou falsas – divulgadas por esses canais terão no pleito de outubro. Ainda mais considerando-se a perda brutal de eficácia do horário eleitoral gratuito, diante da queda de audiência das emissoras de televisão, com a migração dos telespectadores para plataformas de streamings ou redes sociais. Outro aspecto a considerar, como aponta do especialista em marketing digital e diretor de Comunicação e Marketing da Fundação Getúlio Vargas, Marcos Facó, é que, se antes um candidato competitivo era o que tinha presença e influência na sociedade, hoje em dia um influenciador digital “tem uma facilidade de angariar votos até maior do que alguns políticos”. Ele aposta que a TikTok será a principal plataforma eleitoral de 2022.
Deap fakes e deep fakes: tudo mentira
Recentemente circulou e ainda circula pelas redes sociais um vídeo produzido propositalmente por um especialista em manipulação digital em que o ex-juiz e candidato Sérgio Moro aparece recitando um antigo texto recheado de cacófatos indecentes, a partir do processamento de sua imagem e de sua voz. O autor diz que produziu a peça apenas para advertir para a “qualidade” da guerra eleitoral que se avizinha. Estudiosos dessa questão, que foi objeto de análise profunda há dois anos, quando ministrei a disciplina “Jornalismo e Fake News”, na Faculdade de Comunicação da UnB, são unânimes em duvidar da eficácia de qualquer ação de prevenção e de punição a autores e disseminadores de informações falsas pelas redes sociais. Elas se sofisticaram a patamares inimagináveis. É possível dividi-las em dois grandes grupos. As cheap fakes (falsificações toscas) e as deep fakes (falsificações profundas). As primeiras, como diz o nome, são falsificações grosseiras mas, ainda assim, capazes de convencer os incautos. Já as falsificações profundas lançam mão de técnicas altamente sofisticadas como inteligência artificial, o que torna praticamente impossível, a não ser para especialistas, identificar as falsificações.
Se nas eleições “analógicas” do passado, a disseminação de informações mentirosas contra um candidato no próprio dia do pleito, através da distribuição de boletins anônimos nas zonas eleitorais já tornava praticamente impossível a defesa – e consequentemente a mudança de opinião do eleitorado de que a informação do boletim não era verdadeira – em tempos de internet, a tarefa de desmentir, investigar e punir responsáveis por informações falsas contra algum candidato não é apenas difícil – é simplesmente… impossível. Na eleição passada, uma fake news disseminada contra a então candidata Marina Silva, acusando-a de estar sendo investigada pela Operação Lava Jato, teve como desfecho uma decisão da justiça eleitoral mandando apagar a informação do Facebook. Só que a informação, copiada e disseminada massivamente por todas as outras redes sociais, principalmente pelo WhatsApp, no qual não existe a possibilidade de fiscalização, continuou circulando livremente e devastando a reputação da candidata.
Principais vítimas são a credibilidade dos candidatos e da própria democracia
Esse conjunto de fatores contribui, em última instância, para a perda de credibilidade das candidaturas, por força da distorção da realidade. Agora, os candidatos precisam contar com um verdadeiro exército de especialistas encarregados não apenas de trabalhar para neutralizar ou amenizar o impacto das ofensas anônimas de que serão vítimas pelas redes sociais, como para tentar levar suas plataformas de campanha ao eleitorado. Talvez o dispêndio de recursos na montagem de tais estruturas explique o esforço de todos os partidos, à direita e à esquerda, para garantir um suporte bilionário de recursos para o financiamento das campanhas, como o que acabou de ser aprovado pelo Congresso.
É de se aguardar o anúncio, pela justiça eleitoral, de medidas capazes de pelo menos amenizar o impacto das informações falsas no pleito de 2022. Que precisa começar pelo fim da impunidade, com aplicação real de “cassações e prisões”, como anunciou bom basicamente o futuro presidente do TSE. Se esse efeito-demonstração não acontecer – desde logo, desde agora – vai ser impossível derrotar a candidata favorita ao pleito de 2022 até este momento: Sua Excelência, a Mentira.
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