Conta-se que há alguns anos um jornalista britânico dirigiu-se à Índia para entrevistar a sempre reverenciada Madre Teresa de Calcutá. Ele foi encontrá-la no meio do hospital de sua famosa instituição, cercada de doentes miseráveis, aos quais buscava dar algum tratamento e dignidade.
Polidamente, dadas as circunstâncias, Madre Teresa solicitou ao jornalista que aguardasse até que ela encerrasse os atendimentos, quando então concederia a entrevista desejada. Apenas restou-lhe, assim, acompanhá-la por umas boas duas horas. Durante esse tempo, ele próprio relatou depois, assistiu a cenas de verdadeiramente “embrulhar o estômago”, tamanha a miséria, abandono e sofrimento que permeavam aquele lugar.
E eis que, ao fim de um verdadeiro “tour do horror”, aquele já esgotado jornalista vê diante de si a figura frágil de Madre Teresa, sorridente, a lhe dizer que naquele momento já estava disponível para a entrevista. Ele, então, permitiu-se um desabafo, manifestando sua surpresa e revolta com toda aquela miséria e abandono que acabara de testemunhar, concluindo sua reflexão com aquela que seria a primeira pergunta da entrevista: “Madre Teresa, o que precisa mudar no mundo para que toda essa miséria e abandono não mais existam?”
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O jornalista confessou depois que, diante daquelas colocações, esperava dela críticas ao capitalismo selvagem, aos governos ou até mesmo ao sistema financeiro.
Mas eis que Madre Teresa, com um sorriso singelo e modesto, respondeu: “Meu filho, para que toda essa desgraça que você acabou de testemunhar deixe de existir apenas duas coisas necessitam melhorar”. E completou: “Eu e você”. Está aí, nestas sete letras, o perfeito e sábio resumo do problema da raça humana.
Ao saber desse episódio fiquei a pensar em uma pintura de Georges Rochegrosse (acima) magistralmente descrita pelo escritor português Albino Forjaz de Sampaio: “É um quadro que representa a vida. No primeiro plano muitas criaturas erguem o braço para chegar mais alto. Homens de casaca tão corretos como se fossem para um baile. Homens condecorados e homens banais, velhos e moços, misturam-se e empurram-se, disputando-se numa agonia pavorosa, num combate sem nome. Aquele monte é a ambição de subir na vida. Atrás, pela riba acima, numa escalada vertiginosa, aparece uma maré cheia de cabeças ululantes, estranguladas pela ambição, correndo, empurrando-se, pisando os que ficam. Todos daquela multidão ávida querem ser os primeiros. O lugar é disputado a soco, a murro, a dente. O caminho que leva ao triunfo é uma cena medonha que mais parece a fuga duma derrota”.
E prossegue o escritor lusitano: “Não há trégua, não há descanso. Cada um vigia sempre o seu vizinho, espreita se ele cai, e tripudia, espreita se ele sobe, e inveja-o. Trava-se um combate em que o mais cruel, o mais forte, o mais canalha, é que triunfa. Nada de piedade nem de compaixão. Se não esmagares, serás esmagado. Não há tempo de olhar, nem de pensar sequer. Avançar seja como for, custe o que custar”.
Não há necessidade de se ir a museu algum para olhar este quadro de Rochegrosse. Basta prestar atenção na cena pavorosa de crianças disputando comida com ratos pelas favelas, vítimas de um desperdício brutal de recursos públicos e privados – lá estará esta pintura, sem retoques, gritando de forma doída que eu e você temos que melhorar!
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