Fábio Vasconcellos *
Desde as eleições de 2018, o Brasil passa por um processo de depuração do seu quadro partidário. A cláusula de desempenho, instituída pela Emenda Constitucional de 97/2017, criou, por exemplo, regras mínimas para que as legendas tenham acesso ao fundo partidário e ao tempo de propaganda gratuita de rádio e televisão. Em 2022, apenas 12 das 28 legendas que disputaram a eleição daquele ano atingiram a cláusula.
Em 2026, a exigência de votação será maior. Passará dos atuais 2% dos votos válidos para 2,5%. O processo de depuração, que pode levar ao fim ou a fusão de algumas legendas, vai durar até 2030, quando a cláusula atingirá o patamar máximo de 3% dos votos válidos. Outra mudança importante foi o fim das coligações para cargos proporcionais, que começou a valer na eleição municipal de 2020.
Esse conjunto de fatores tem exigido das direções partidárias uma maior capacidade de organização em nível local em 2024 para identificar afiliados com potencial de voto, oferecendo estrutura e recursos. São eles que poderão ser candidatos a deputado estadual ou federal, ou ainda ajudar a campanha dos correligionários em 2026. Do lado dos candidatos, é preciso buscar partidos onde tenham mais chances de serem eleitos. Essa movimentação chama pouca atenção, mas ocorreu de forma intensa entre março e abril deste ano, quando a janela partidária permitiu que muitos trocassem de legenda e se acentuou nos meses seguintes, durante a formação das coligações para a disputa do cargo de prefeito.
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Embora o número de partidos com representação no Legislativo nacional seja o efeito mais direto desse processo de depuração, gostaria de chamar atenção para outro aspecto que pode estar sendo estimulado também pelas reformas de 2017 e 2019, e cujas consequências são igualmente positivas: a produção de coligações ideologicamente alinhadas.
Um estudo ainda exploratório do INCT ReDem da Universidade Federal do Paraná (UFPR) identificou que, das mais de 12 mil coligações para cargos de prefeito este ano, a maioria dos candidatos buscou associação com legendas do mesmo campo ideológico ou de campo ideológico próximo. Para realizar o estudo, fizemos a decomposição das legendas das coligações. Exemplo: um candidato do PSDB que tem como aliado o PSD e MDB gerou duas ligações: PSDB-PSD e PSDB-MDB. Com esse método, pudemos examinar a frequência com que esses pares de ligações ocorrem em todas as coligações.
Entre as mais de 14,9 mil ligações dos partidos do campo da direita, 5,1 mil foram com partidos de direita; 4,6 mil com legendas de centro-direita, e apenas 1,6 com partidos de esquerda. Quando observamos as ligações dos partidos dos candidatos de esquerda, encontramos padrão semelhante. Das mais de 4,8 mil ligações, mais de 2 mil ocorreram com partidos de centro-esquerda; 1,4 mil com a esquerda. Esse comportamento se repete para todos os demais campos, com exceção da centro-esquerda (PDT, PDT, PSB, PV e REDE). Os candidatos dessas legendas produziram mais de 4 mil ligações com outros partidos coligados, das quais apenas 867 com a esquerda e 643 com agremiações de centro-esquerda.
Como se trata de um estudo ainda exploratório, é cedo para afirmar se esses efeitos estão associados diretamente ao processo iniciado em 2018 e 2019. Aspectos políticos, como por exemplo a ascensão de uma extrema-direita nesse período, podem ter também influenciado. Essas são algumas das questões que estamos examinando para compreender melhor como o sistema partidário brasileiro tem se transformado ao longo dos últimos anos, contribuindo para uma maior racionalidade das eleições e da representação política.
* Doutor em Ciência Política pelo Iesp, mestre em Comunicação Social pela UERJ e professor associado da Faculdade de Comunicação da UERJ.
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