Afinal, faz parte das atribuições dos deputados e senadores a destinação a seus redutos eleitorais dos recursos de emendas parlamentares?
Independentemente de os autores das emendas serem ou não conhecidos, como as que compõem o tal de “orçamento secreto”, será que cabe aos parlamentares tal prerrogativa?
O texto constitucional não traz uma linha sequer a esse respeito. A Constituição é bem precisa ao definir as atribuições de um parlamentar. No caso dos deputados federais, por exemplo, cabe a eles, sobretudo, legislar. Ou seja: propor, discutir e aprovar leis. E até mudar a Constituição. Igualmente, eles têm a prerrogativa de aprovar ou rejeitar as medidas provisórias baixadas pelo presidente da república. Além do papel de fiscalizar e controlar as ações do Executivo. Para o cumprimento dessa tarefa, o Parlamento conta com o Tribunal de Contas da União, que avalia, aprova ou reprova o uso dos dinheiros públicos. E os deputados, diante de alguma irregularidade, podem solicitar informações a órgãos do governo e aos ministros, que são obrigados a prestar explicações.
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Aos deputados cabe a aprovação do Orçamento da União, legislação anual editada pelo Executivo, onde são listadas as receitas e despesas do governo federal. E quando há denúncias ou suspeitas de irregularidade, os deputados podem criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), para abrir uma investigação. São eles também os únicos com poderes para autorizar a instauração de processo de impeachment contra o presidente ou ao vice-presidente da República. E acabou.
As emendas estragam o soneto
Acabou? Não, não acabou. Ao votar o orçamento, os deputados podem apresentar emendas, como é comum na apreciação de qualquer projeto. Pois é bem aí que reside a origem de toda a celeuma causada ultimamente em torno das emendas parlamentares que destinam recursos para obras num estado ou município. Algumas, as emendas individuais, emendas ordinárias, comuns, têm nome, sobrenome, endereço e CPF do deputado-autor. E são de aprovação obrigatória, ou seja, o governo é obrigado a destinar o recurso e ponto final. Outras, as chamadas “emendas de relator”, não trazem a informação da autoria. Teoricamente, essas emendas do relator teriam o objetivo exclusivo de aprimorar o trabalho da relatoria, para a edição de uma lei orçamentária justa e capaz de destinar os recursos dos impostos dos contribuintes para as obras e os projetos mais importantes.
O problema é que, independentemente de as emendas carregarem ou não os nomes de seus autores, elas trazem um vício de origem. Se a ideia da destinação das emendas para os redutos dos parlamentares, que teoricamente saberiam do que mais eles necessitam, o correto é que tais demandas fossem dirigidas aos órgãos encarregados da realização das obras e dos serviços. Se é o reforço ao fornecimento de energia, então que a demanda seja encaminhada ao Ministério das Minas e Energia. Se é a construção de um posto de saúde ou a aquisição de uma ambulância, então o órgão certo é o Ministério da Saúde. E assim por diante.
Ô, home bom! Trouxe a luz elétrica pra nós!
Isso porque deputados ou senadores não são as pessoas mais capacitadas para identificar e apontar as áreas que mais merecem a aplicação dos recursos. E sim os órgãos do governo, esses, sim, aparelhados com dados atualizados, estatísticas e a necessária expertise técnica para decidir se determinado recurso deve ou não ser aplicado aqui ou ali. Até porque, como regra geral, as emendas parlamentares servem mesmo é para finalidades puramente eleitorais. Os eleitores de tal ou qual reduto se vêm no dever de retribuir a “bondade” do político que conseguiu “trazer recursos” para sua região. Não é nada, não é nata, trata-se apenas de um privilégio. E os recursos públicos terminam servindo, na verdade, é para a pavimentação do caminho eleitoreiro dos autores das emendas. Pior ainda é quando os “autores” das emendas sequer são conhecidos, como ocorre com o “orçamento secreto”. Nesse caso, as emendas são usadas simplesmente como moeda de troca para a compra de votos necessários à aprovação dessa ou daquela medida de interesse do governo.
Ou seja: deputados e senadores não deveriam, em princípio, poder dispor da prerrogativa de destinar recursos seja lá para onde for. Tal prerrogativa deveria ser exclusiva dos órgãos técnicos, únicos capazes de bem avaliar quem ou o quê mais precisa da aplicação dos recursos. Como o estado brasileiro é patrimonialista em sua essência, tais hábitos se consolidaram de tal forma que já nem se questiona se cabe a um detentor de mandato a manipulação de recursos públicos a seu bel-prazer. Que, em última instância, termina sendo ao bel-prazer de suas necessidades eleitoreiras.
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