E por falar em precatórios, em que resultaram os bilhões de reais pagos em precatórios relativos à educação? Caso o leitor não esteja informado, centenas de municípios e alguns governos estaduais receberam ou são candidatos a receber algo em torno de 90 bilhões de reais – equivalente a 30% dos gastos anuais com educação básica. Como o recurso está concentrado em alguns municípios, isso representa várias vezes o seu orçamento anual. Muitos municípios já receberam os recursos, enquanto em outros o dinheiro está embargado ou em processo de liberação.
Comecemos do começo: a origem dos precatórios se deu pela constatação de um erro de interpretação da legislação cometido logo nos primeiros anos do Fundeb, no final do século passado. Competentes advogados fizeram valer aquilo para que foram treinados – a forma acima da substância, a lei acima da justiça. A União foi condenada e vem cumprindo seus compromissos a trancos e barrancos. Mas são apenas 90 bi – pouco mais de 1% do PIB. Isso passa… É crença universal que a viúva tudo pode.
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Sempre solícita às pressões corporativas, a Câmara dos Deputados vem tentando passar legislação destinando parte significativa desses recursos aos professores, mesmo sem designar se são os professores da época, se incluem os aposentados ou se se destinam aos professores atuais. Tipo “trem da alegria”. Tudo isso é parte de nosso trágico folclore político. E tudo em nome da melhoria da educação.
A pergunta que não cala: como esses recursos estão sendo usados? Melhorou algo na educação dos municípios que os receberam? Até aqui não se ouviu falar de nenhum município – ou rede estadual – que tenha promovido qualquer melhoria ou salto qualitativo na educação em função disso. Mas isso não deve surpreender. As evidências são claras: mais recursos não levam necessariamente à melhoria da educação. Há municípios que gastam mais de três vezes o que outros, com resultados comparáveis.
Em tempos de precatórios, essas são reflexões importantes. Não se trata de recomendar caça às bruxas ou mais uma “CPI dos precatórios”. Trata-se de um convite à reflexão – dos parlamentares e da sociedade.
Nas últimas décadas, os parlamentares se especializaram na sua virtude cívica predileta: resistir a tudo, menos à tentação. E a tentação se revela na pressão dos sindicatos para melhorar a condição dos seus associados. Nada mais justo, por parte dos sindicatos, pois eles foram criados para esse fim. Nada mais injusto, por parte dos legisladores, pois eles forem eleitos para velar pelo bem comum, não para defender interesses específicos, especialmente quando a vontade de cada um colide com a vontade de todos. Não é preciso um estudo empírico complexo para verificar que a esmagadora maioria das votações que envolvem ganhos para as corporações recebe votações unânimes.
É fácil entender o empenho dos sindicatos – eles vivem para isso. Também é possível compreender a postura dos políticos, especialmente no caso de pleitos que beneficiam profissionais da educação e saúde, pois, em cada município, há pelo menos centenas ou milhares de afiliados que podem complicar a reeleição de um deputado. Diante de uma causa sempre “justa”, por que dizer não? Entender não significa justificar ou concordar. Mais difícil é compreender a atitude dos partidos políticos, que teriam condições de erguer barreiras para que os parlamentares pudessem exercer seu voto com integridade – bastaria estabelecer e fazer cumprir regras partidárias que protegessem os parlamentares desse tipo de pressão. Votar sempre a favor de uns – e necessariamente contra os demais, pois o cobertor é curto – não é uma sina inexorável. Há condições e um enorme espaço para que o parlamento resguarde a sua dignidade.
Mas essa história tem outro lado: o amor pela gastança. O “karma” de que gastar em educação é bom. Pelo menos é isso que dizem as sereias: “em educação se gasta pouco, é preciso gastar mais”. Se o PNE – Plano Nacional de Educação fosse implementado ao pé da letra, teria custado mais de 15% do PIB. Mais que dobramos o gasto por aluno nos últimos 20 anos, sem ganhos visíveis de qualidade. Mas a voz geral é que é preciso gastar mais. É interessante observar que as principais entidades da sociedade civil voltadas para a educação endossam irresponsavelmente esse refrão, embora sejam generosamente financiadas por grupos empresariais. A racionalidade econômica ficou fora desses cálculos.
Certamente o tema da gastança vai constar do discurso dos candidatos em 2022. Não faltará pressão para que se comprometam a gastar 5, 8, 10, qualquer percentagem do PIB. Faz parte do “grande consenso” educacional, que, até aqui, pouco produziu de positivo, exceto iniciativas pobres como a BNCC, a “nova lei” do ensino médio e, claro, aumento de gastos.
Os precatórios do Fundeb constituem mais um triste capítulo dessa interminável gastança. A nova legislação do Fundeb, desnecessariamente complexa e detalhista, tem tudo para criar espaços para novos precatórios. E tudo, claro, em nome da “qualidade da educação”.
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