O Congresso Nacional promulgou nesta terça-feira (28) a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma eleitoral, que traz mudanças nas regras para as eleições no país. A promulgação declara a existência da lei e ordena sua execução. Por se tratar de uma PEC não é necessária sanção presidencial.
No plenário do Senado Federal, resistiram apenas os pontos de concordância entre os parlamentares, mas a PEC manteve um dispositivo específico, extremamente polêmico e que possui consequências que nem mesmo os senadores e deputados procuraram mensurar. Falo da contagem em dobro de votos dados a mulheres e pessoas negras para a Câmara entre 2022 e 2030 para fins de distribuição dos fundos partidário e eleitoral.
Para a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), a emenda vai trazer um “grande avanço” às mulheres do Brasil e deve “suplantar a prática de candidaturas laranja”. Segundo ela, “as candidaturas das mulheres com a segurança de voto em dobro para fins de fundo eleitoral será fundamental para ampliação de espaços de poder para a mulher brasileira”.
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O projeto prevê que candidatos negros ou mulheres que tiverem uma votação expressiva em 2022, terão a quantia desses votos dobradas para a distribuição do fundo eleitoral da próxima eleição. Isso significa que os partidos se sentirão incentivados a lançarem candidaturas e femininas e de pessoas de cor. Aparentemente, é uma ideia virtuosa e com efeitos práticos positivos para o combate à desigualdade no país, mas nem tudo é o que parece.
Em primeiro lugar, há um conflito constitucional a respeito desse tipo de política. O conhecido artigo 5º da nossa Carta Magna deixa claro que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Por outro lado, existe um entendimento proferido pelo STF que estabelece o conceito de “discriminação positiva”, na qual tal discernimento, mesmo quando feito com base na cor, sexo ou raça, é permitido,, com a justificativa de que a ação tem como fim promover a igualdade.
Apesar da causa nobre, na prática, essa emenda servirá apenas para que os caciques partidários lotem suas chapas de candidaturas discriminadas para engordar o fundo eleitoral do próximo pleito, sem a intenção de realmente combater a desigualdade no parlamento. No final, os líderes continuam sendo os mesmos, sendo uma pequena parcela da Casa que realmente decidem os posicionamentos das agremiações.
Há inúmeros exemplos na história recente brasileira de mulheres e negros que se destacaram e influenciaram a política sem necessitar desse aparato discriminatório. A própria relatora da PEC no Senado, Simone Tebet (MDB-MS), é um quadro político estabelecido e que se destaca continuamente nas discussões da Casa.
Ademais, a ideia é essencialmente racista e machista ao ignorar quadros como o de Tebet e querer aplicar um tratamento diferenciado por pressupor, mesmo que implicitamente, uma incapacidade ou insuficiência de negros e mulheres na política. Tal mentalidade pode ser classificada como um “racionalismo construtivista”, de modo que lideranças políticas acreditam poder modelar artificialmente a democracia e a igualdade.
Políticas semelhantes já foram adotadas para tentar gerar esse efeito artificial, como foi o caso das cotas femininas, que na verdade geraram os escândalos de candidaturas laranja. Naturalmente a presença de negros e mulheres têm crescido consideravelmente a cada eleição, sem recorrer à discriminação. É sim necessário que haja maior igualdade nas esferas do poder público, mas criar essa sensação alçada por dispositivos discriminatórios não terá efeito real nessa luta. Por acaso, não há exemplo em nenhuma das democracias mais desenvolvidas de aplicação efetiva dessas políticas.
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