Uma das polêmicas atuais é se o governo irá ou não rever a meta de déficit zero para 2024. E se mantiver a meta: irá cumpri-la? Toda essa controvérsia foi instalada a partir de declarações do próprio presidente da República Lula. Em entrevista coletiva, ele disse: “Tudo o que a gente puder fazer para cumprir a meta fiscal, a gente vai cumprir. O que eu posso te dizer é que ela não precisa ser zero. (…) Quero dizer para vocês que nós dificilmente chegaremos à meta zero”.
Bastou essa sinalização para que diversos setores começassem a propor a mudança da meta de déficit primário zero (que não considera as despesas financeiras), constante no PLDO para 2024 e alinhada como o Novo Arcabouço Fiscal, recém aprovado. Seria muito ruim o novo regime fiscal ser desmoralizado em seu primeiro ano de vigência.
A discussão fiscal se tomada por um ângulo maniqueísta, simplista e caricatural parece uma luta entre, de um lado, os “mocinhos” que querem fazer obras, implantar políticas sociais, aumentar salários dos servidores, dar maiores incentivos, transferir mais recursos para os municípios, e do outro, os “bandidos” que querem controlar o déficit, diminuir o endividamento, cortar gastos, frear a compulsão ativista do Estado. Mas não se trata disso.
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Qualquer um, a partir de sua vida concreta, pode entender que quando se fala em gastos, o céu não é o limite. Quantas vezes uma pessoa gostaria de mudar para uma casa melhor, comprar um carro mais sofisticado ou fazer uma viagem ao exterior e não o faz por uma razão
muito simples: restrição orçamentária. A vida dos governos também é assim. Não basta a vontade de fazer. É preciso um padrão de
financiamento consistente e sustentável. Afinal, os gastos públicos são feitos com os nossos impostos.
É preciso que a sociedade brasileira forme convicção sobre o assunto para além da retórica demagógica e vazia.
O Brasil tem dívida alta. Menor que a de muitos países desenvolvidos como proporção do PIB, é verdade. Mas a maior entre os países emergentes e os latino-americanos. Essa dívida se avoluma como bola de neve, sofrendo o efeito dos juros. Há dois problemas principais com o crescimento da dívida: 1) quanto maior ela é, mais cresce a percepção do risco de calote, e maior é o prêmio exigido pelos compradores de títulos do governo, que financiam o déficit, o custo da dívida aumenta, alimentando o círculo vicioso; 2) há uma questão de solidariedade geracional envolvida, se trocarmos gasto presente por dívida futura, estaremos sobrecarregando o futuro de nossos filhos e netos.
É por isso que o governo não pode permanentemente gastar mais que arrecada. O déficit crônico deriva em inflação. Para combater a
inflação, os juros sobem. Com juros altos, a economia desaquece e o desemprego acelera. E a dívida dispara, povoando de incertezas o futuro do país.
De 2014 a 2023, com a pequena exceção de 2022, produzimos déficits primários. Para estabilizar a relação entre tudo o que produzimos e a dívida pública precisaríamos de um superávit de 1,5% do PIB a cada ano. Este deveria ser o objetivo. O déficit zero proposto para 2024 seria só um ponto de reversão no meio do caminho.
Portanto, agora no final de novembro e em dezembro, quando você ouvir essa discussão, procure ir além das aparências e tente identificar na essência aonde se encontra o verdadeiro interesse público.
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